Spencer Leonard é professor de Teoria da História no Departamento de História da James Madison University.
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Resumo
Neste artigo é apresentada a relevância do projeto intelectual de Adam Smith para se investigar o séc. XVIII. A admiração de Smith pelo trabalho de Rousseau também pode ser compreendida pelo desejo de também apresentar uma proposta radical para a liberdade. A Riqueza das Nações é erroneamente comentada como uma obra de consolidação de visões hegemônicas de mundo ou de defesa dos modos avançados do capital, mas é antes uma arguta crítica do Estado como modo de aprofundar o elemento negativo de classes sociais que dele se aproveitam. A percepção do valor trabalho é também a de um mecanismo de emancipação que só pode ser operado pela descrição sistemática do modo pelo qual os valores se constroem. Em função disso a fama de Smith como um autor do livre mercado e da mão invisível é plenamente injustificada.
Palavras-Chave
Adam Smith; Trabalho; Iluminismo; Liberdade
Abstract
In this article is presented the major importance of Adam Smith’s intelectual project to understand the 18th century. The importance gave by Smith to Rousseu’s work also can be understood as a wish to establish a radical statement of freedom. The Wealth of Nations is mistakenly described as a work from a hegemonical stand point of the world or a defense of the capital, but before all it is critic to the State as a way of let the social domination even worst. The perception of labor value is also a mechanism of emancipation that only can be operated by the sistematic description of the way values can be constructed. Because of that Smith’s fame as a author of free market and of the invisible hand is unjustified.
Key Words
Adam Smith; Work; Enlightment; Freedom
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Ao expor a necessidade histórica que trouxe o capitalismo à existência, a economia política tornou-se a crítica da história como um todo – Theodor W. Adorno.[i]
Ao contrário de Jean-Jacques Rousseau ou mesmo de Friedrich Nietzsche, Adam Smith é um pensador ao qual poucos da esquerda contemporânea dedicarão muito tempo. Isso nos diz mais sobre o empobrecimento do ambiente intelectual atualmente prevalecente do que sobre a influência persistente, senão cada vez mais obscura, do radicalismo burguês na esquerda. Hoje, é claro, está na moda dispor de ‘uma crítica do Iluminismo’ ou, alternativamente, defendê-lo contra uma matriz de inimigos, na qual se incluem o pós-modernismo, conservadorismo religioso, e obscurantismo acadêmico. As correntes da esquerda contemporânea que ainda buscam reivindicar o Iluminismo devem rechaçar Smith, porque, como a de Rousseau, a sua iluminação não pode ser acolhida como uma afirmação da “razão” ou como a busca por “direitos humanos”. O iluminismo de Smith demanda um avanço. Seu Tratado de 1776, Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, não é um produto do Iluminismo escocês, mas do Iluminismo radical cosmopolita, se estende desde os cafés de Roterdã até as salas de estar de Calcutá. Se esse projeto de iluminação cosmopolita permanece “inacabado”, é porque o curso da história, desde a publicação do magnum opus de Smith, falhou em aproveitar e acabou por minar os potenciais radicais do século XVIII.
A influência poderosa Smith sobre revolucionários franceses, como o Abade Sieyès e o Marquês de Condorcet, e através deles sobre Immanuel Kant, Benjamin Constant e G. W. F. Hegel, não são tão bem conhecidas como deveriam, mas isso não vai nos impedir de chegar a um acordo sobre o radicalismo profundo de seu pensamento. Menos conhecido ainda é o respeito que Smith e seu amigo próximo, David Hume, tinham com relação às obras de Rousseau. Hume, recusando-se a permitir que a sua famosa disputa pública com Rousseau atrapalhasse seu juízo, em uma carta a Smith, sustentou que os escritos do genebrino eram “esforços de gênio.”[ii] Não há dúvidas que Hume sabia que encontraria o apoio de seu amigo, uma vez que desde 1756 Smith havia escrito um artigo que talvez seja o primeiro debate em inglês sobre o Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da desigualdade entre os Homens, destacando o trabalho como o ato através do qual os francófonos restabeleceram sua supremacia na filosofia pela primeira vez desde Descartes, deslocando a preeminência do pensamento político e social inglês, que durara quase um século com os escritos de Hobbes, Locke, Mandeville, Shaftesbury e outros.[iii] A devoção de Smith a Rousseau, proclamada nessa publicação, não diminuiu até o fim de sua vida. Temos o testemunho de Faujas de Saint-Fond, de 1784: “Quando tomava chá com ele, [Smith] falou-me de Rousseau com uma espécie de respeito religioso. ‘Voltaire,’ disse ele, ‘ procurou corrigir os vícios e as loucuras da humanidade rindo deles e às vezes até mesmo se enraivecendo com eles; Rousseau, pela atração do sentimento, e pela força da convicção, atraiu o leitor para o coração da razão. Seu Contrat Social, chegada a hora, o vingará de todas as perseguições que sofreu.'”[iv] A profunda simpatia de Smith com a filosofia construtora de uma época de Rousseau encontrou sua maior expressão na economia política radical, apresentada na Riqueza das Nações, que lançou as bases, não menos do que o Discurso sobre a Desigualdade e o Contrato Social, para a onda revolucionária do final do século XVIII e início XIX. Na verdade, Smith, tanto como Georges Danton ou Maximilien de Robespierre, foi um líder revolucionário burguês.
A fim de compreender totalmente a especificação radical da chamada de Rousseau para o avanço consciente da liberdade humana contido no trabalho do Smith — isto é, a fim de compreender as implicações revolucionárias burguesas da obra — leitores e intérpretes devem ir além da sobriedade da riqueza das Nações para o “ataque muito violento (…) contra todo o sistema comercial” que se encontra em seu núcleo.[v] Vivendo a sociedade mais revolucionária de sua época, Smith, no entanto, não foi complacente. Ele, não menos que Rousseau, exigiu uma transformação revolucionária de sua sociedade, posicionando-se com toda sua força intelectual contra o que Rousseau chamou de “nossas absurdas instituições civis pelas quais o verdadeiro bem-estar do público e a verdadeira justiça são sempre sacrificados por alguma ordem aparente, que na realidade se dá em detrimento de toda ordem e tão somente sanciona a autoridade pública para a opressão dos fracos e para a inequidade do forte.[vi] Foi em pleno reconhecimento do hastear de bandeira da filosofia britânica e, com isso, da revolução inglesa, que Adam Smith escreveu uma obra que, à sua maneira, não foi apenas a mais revolucionária de 1776, mas também o texto fundamental, juntamente com o do Abade Raynal. Uma História Política e Filosófica dos Estabelecimentos e Comércios dos Europeus nas Índias Orientais e Ocidentais a ligar Rousseau à Revolução Francesa e ao idealismo alemão.
Smith é um daqueles pensadores indispensáveis do século XVIII, que articula inconfundivelmente a crítica de seu século com a do nosso interminável século XX. Profundamente, originalmente, consciente da extensão do potencial de autotransformação da humanidade, Smith exige que nos transformemos. Autor de um dos maiores atos de razão pública já escrito, Smith exige que nosso tempo também faça um profundo ataque contra todo o sistema comercial. Profeta da sociedade civil cosmopolita, Smith estaria indignado com o escárnio feito pela globalização contemporânea. Revolucionário diagnosticador do terreno social da liberdade, ele condenaria não só o capitalismo estatal mas também a extensão da conexão integral do capitalismo com sua consequência monstruosa, o estado bonapartista. Mas ao invés de reconhecer e potencialmente avançar esta crítica, o ressecado pensamento sobre o que se passa com o marxismo ou, no caso, sobre o que se passa com o liberalismo, só pode adotar uma postura de superioridade sabendo respeitar Smith, sobre cujo pensamento não tem a menor ideia.
Tomemos, por exemplo, o proeminente estudioso de Marx, David Harvey, cujos escritos são parte do evangelho da esquerda contemporânea acadêmica e ativista. Harvey descreve Smith como um “utópico liberal”, comprometido com uma teologia de “perfeito funcionamento dos mercados e a mão invisível.”[vii] Porta-voz da classe capitalista, o Smith de Harvey promove seu sistema de exploração como uma “utopia do processo”, do qual ele prestativamente “deriva um programa político”, a essência do que Harvey afirma como sendo: “dar espaço para que o livre comércio floresça, então tudo ficará bem com o mundo”. Em conclusão, Harvey não falha ao instruir o leitor que “isto, é claro, é a ideologia que se tornou tão dominante em alguns dos países capitalistas avançados (…) nestes últimos 20 anos.” Smith representa um conjunto de prescrições de política contra o qual, presumivelmente, o marxista David Harvey tem outros para opor. E, certamente, podemos todos concordar que “Marx compôs um ataque devastador contra este utopismo do processo em O Capital”.[viii]
Mas Harvey não deve ser destacado. Em vez disso, ele expressa algo parecido com a visão convencional da questão — enquanto nós podemos quebrar a cabeça sobre a relação de Marx com, talvez, a apropriação dialética da dialética de Hegel, a crítica de Marx à economia política é um ataque, uma refutação, ou pelo menos uma crítica. Seria mais correto dizer que O Capital está fechado para Harvey, apesar de ser o “principal intérprete” do livro nestes tempos sem espírito, precisamente porque a Riqueza das Nações é para ele algo impenetrável. O fato de Smith representar uma etapa importante no desenvolvimento da teoria do valor-trabalho — ao formular pela primeira vez, por exemplo, a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo — é algo que não diz respeito às preferências de Harvey. O cerne do projeto de Smith é a tentativa de fazer avançar, na teoria e na prática, a emancipação radical implicada no trabalho assalariado-livre. Esta emancipação social — ou seja, a liberdade de trabalho para vender-se em um mercado ilimitado pelas exigências do privilégio habitual — é totalmente obscurecida pela fala anacrônica de Harvey sobre o “livre mercado” como política de regulação. Nem é a Marxologia mais exagerada de um Michael Heinrich mais forte sobre a questão da relação de Marx com Smith e com a economia política burguesa em geral. Ao compreender Marx como um anti-burguês, Heinrich joga na lata de lixo da “cosmovisão do marxismo” todos aqueles que podem imaginar que o pensamento de Marx é de alguma maneira imanente com relação à economia política.[ix]
Como um teórico sistemático do valor, Smith mostra-se um filósofo indispensável do Terceiro Estado revolucionário. Para ele, o mundo da sociedade comercial está fundamentado no trabalho gratuito de uma classe recém emergente, uma classe de citadinos libertos da servidão e de reivindicações costumeiras. Os citadinos, ou a “burguesia” do fim da idade média e do início do período moderno, compartilhavam uma liberdade comum, similar, entre trabalhador e comerciante. Sua sociedade, como Smith mostra no Livro 3 da Riqueza das Nações, surge como resultado do que só pode ser apelidado de uma revolta de escravos ocorrida no que até então fora um canto relativamente obscuro da Europa. Esta revolta de escravos, aliás, não cessou até hoje, não somente porque se espalhou da Europa Ocidental para outras partes do mundo. As massas da humanidade, incluindo [as da] a Europa e [da] a América, não cessaram de exigir um mundo no qual elas não precisem requisitar a benevolência ou a indulgência do padeiro, do açougueiro, do fabricante de cerveja ou de qualquer outra pessoa para viver suas vidas nos termos da lei. Até hoje, essa emancipação só está disponível para as amplas massas da população da maneira em que Smith exigia, ou seja, pelo trabalho assalariado. Até hoje, a grande demanda democrática é pela não sujeição das pessoas a qualquer poder arbitrário da riqueza, a não ser a esse poder que a “posse imediata e direta transmite” [48] ao proprietário do dinheiro: o domínio sobre o produto do trabalho.
O que Smith denominou “sociedade comercial” é melhor compreendido como as inter-relações de pessoas trocando os produtos do trabalho. Como na famosa passagem:
Uma vez completamente estabelecida a divisão do trabalho, somente uma pequena parte das vontades de um homem não poderá ser contemplada pelos produtos de seu próprio trabalho. Ele fornece a maior parte deles através da troca (…). Assim, cada homem vive pela troca, ou se torna em certa medida um comerciante, e a própria sociedade cresce para ser o que é corretamente [chamada de] uma sociedade comercial. [37]
O fato de uma tal sociedade comercial ser dividida em classes representa para Smith uma conquista que expõe como irracionais ao mesmo tempo as reivindicações prescritivas de todas as classes dominantes anteriores e das classes dominantes de sua própria época. Se dissermos, ainda, que a história de todas as sociedades até agora existentes é a história da sociedade de classes, essas sociedades e essa história são simultaneamente dignas de condenação por terem falhado em ser. Isso porque elas não conseguiram se reconhecer e se perceber como a sociedade de classe e foram e, portanto, tornaram-se inadequadas ao próprio conceito de sociedade. Em outras palavras, toda a riqueza origina-se no trabalho, do qual, após os créditos decorrentes de “acumulação de estoque e apropriação de terras” [65] são deduzidos como lucro e rendas. Aqueles que esperam, além disso, por dizer, uma deferência pessoal ou favores sexuais, não reconhecem (e novamente devem ser levados a compreender) que esta é uma sociedade de classes. Como Adorno observa, dando crédito ao historiador jurídico do século XIX, J. C. Bluntschili, “a sociedade (…) [é] um conceito do terceiro estado”.[x]
Apesar de o fato ser hostil à maioria dos esquerdistas, o surgimento histórico da liberdade foi ocasionado pela demanda por uma sociedade de classes. A procura de trabalho, ou seja, a demanda para estar sujeito apenas ao poder social que corretamente pertence ao dinheiro, levou à libertação histórico-mundial da “comunidade” donde tiramos o nascimento do indivíduo moderno. Essa demanda pela liberdade da necessidade de invocar a benevolência dos outros, essa luta pelo trabalho livre assalariado continua a ser o maior movimento social na terra. Não se deve pensar que os trabalhadores e aqueles que lutam por emprego estão simplesmente resignados ao trabalho para um senhor. Pelo contrário, a demanda do trabalhador pelo trabalho deve ser vista simultaneamente como uma demanda por uma forma de propriedade privada adequada ao seu conceito.
Conduzido à dialética por sua luta contra os fisiocratas franceses e os mercantilistas britânicos, Smith subverte toda a economia política anterior a ele. Apesar de sua obra ser principalmente associada com a demanda por livre mercado e pela “mão invisível”, nada disso é de fato peculiar em Smith. Em vez disso, como parte integrante do projeto do terceiro estado revolucionário atingindo por volta do século XVII, estas eram preocupações centrais da economia política pelo menos desde o tempo de John Locke e Sir Dudley North. Da mesma forma, o caráter e o potencial produtivo da divisão do trabalho, tão intimamente associado com o nome de Smith, constitui um assunto de intensa reflexão e análise quase três quartos de século antes da riqueza das Nações nos escritos de Sir William Petty. A negligência do que é o ficção em Smith anda de mãos dadas com a rejeição unilateral do liberalismo e das revoluções burguesas.
O que na verdade é central para o trabalho de Smith é o esclarecimento fundamental do trabalho como a categoria do coração da liberdade burguesa. Esta especificação adicional da liberdade moderna caminha em direção a Ricardo e aos teóricos ricardianos do movimento trabalhista, bem como do século XIX em geral, na medida em que Smith levanta não só a questão do surgimento da sociedade de classes, mas também a do potencial interno do Terceiro Estado para a divisão de classe. Como escreve Smith:
Não temos atos do parlamento contra associações pela a redução dos [salários do trabalho], mas muitos contra as feitas em prol de sua elevação (…) raramente ouvimos, foi dito, sobre as associações de patrões; embora frequentemente sobre as dos trabalhadores. Aquele que imagina, quanto a essa questão, que senhores raramente se associam, é tão ignorante com relação ao mundo quanto ao tema. Senhores estão sempre e em todos os lugares sob uma espécie de associação tácita, mas constante e uniforme, pelo não aumento do salário dos trabalhadores (…) Violar esta associação é em qualquer lugar uma ação bastante impopular, e uma espécie de censura a um senhor dentre seus vizinhos e iguais. Raramente, na verdade, ouvimos falar desta associação, porque é o habitual, pode-se dizer, o estado natural de coisas das quais ninguém nunca ouve falar (…) [Associações de trabalhadores,] por outro lado, são atos desesperados, com a loucura e extravagância de homens desesperados, que devem morrer de fome ou assustar seus senhores em prol do cumprimento imediato de suas demandas. Os senhores nestas ocasiões não são tão clamorosos do outro lado, eles [ainda] não deixam de clamar em voz alta pela assistência do magistrado civil e pela execução rigorosa das leis [anti-trabalhistas]. [84-5]
Como Smith observa com domínio sobre assunto, “um homem deve sempre viver pelo seu trabalho” [85]. E, tal como Smith vai em direção a Ricardo e aos teóricos ricardianos em sua análise da formação de classe, ele também conecta o Terceiro Estado revolucionário ao seu progenitor e herdeiro, o movimento dos trabalhadores do século XIX, apontando não só para a emancipação do trabalho, mas também para a realização dessa emancipação na luta por salários mais elevados e melhores condições de trabalho. Sobre este assunto, a riqueza das Nações não poderia ser mais clara:
Os salários [de um homem] devem no mínimo ser suficientes para mantê-lo. Eles devem até, em algumas ocasiões, ser um pouco mais; caso contrário, seria impossível para ele manter uma família, e a raça dos trabalhadores não duraria muito além da primeira geração (…) As diferenças no modo de subsistência [dos trabalhadores] não são a causa, mas o efeito da diferença de salários; embora por um estranho mal-entendido, ouço frequentemente que ele representa a causa. Não é porque um homem possui uma carruagem enquanto seu vizinho anda a pé que o primeiro é rico e o segundo pobre. Ao contrário. Porque o primeiro é rico ele possui uma carruagem, e porque o segundo é pobre ele anda a pé (…) Se a melhoria na circunstância dos escalões inferiores do povo deve ser considerada como uma vantagem ou como um inconveniente para a sociedade, a resposta parece largamente simples (…) A recompensa liberal do trabalho, como efeito do aumento da riqueza, é também a causa do aumento da população. Queixar-se disso é lamentar sobre o efeito e a causa necessários da maior prosperidade pública. [85, 93, 96, 99]
Assim, enquanto exige proteção legal para o direito de organização do trabalho, Smith poderia ainda ter esperança – ademais, esperança na boa-fé – de que a liberdade burguesa realizada na e através da supremacia da economia poderia um dia levar à emancipação da humanidade trabalhadora.
Este é um compromisso com a filosofia e a liberdade que confere franqueza sobre os grandes pronunciamentos científicos da classe burguesa, como exemplificado pelo autor da Riqueza das Nações. Tal pensamento revolucionário burguês se mantém, como bem pode ser esperado de um autoproclamado devoto de Rousseau, como uma acusação à “história de todas as sociedades até agora existentes”, incluindo a do tempo de Smith. O Marxismo e a sua crítica da economia política representam a continuação desta tradição burguesa revolucionária, embora em condições alteradas. Não são, de nenhuma maneira, o repúdio do Iluminismo radical de Smith, porque o marxismo procura, em sua luta pelo avanço da emancipação político-social, não o resgate na história dos destroços da “utopia do processo” de Smith, mas resgatar o projeto de Smith dos destroços da história. Sob as condições do capital, o pensamento de Smith em si exige sua própria crítica.
Todas as referências à Riqueza das Nações que se seguem foram feitas à edição de dois volumes de R. H. Campbell e Andrew Skinner (Oxford: Oxford University Press, 1976). A referência das páginas encontra-se entre colchetes.
Tradução: Hugo Arruda.
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[i] Theodor W. Adorno. “Reflections on Class Theory” in Can One Live After Auschwitz: A Philosophical Reader, editado por Rolf Tiedemann (Stanford: Stanford University press, 2003, 93)
[ii] David Hume para Adam Smith 10/17/1767, in Correspondence of Adam Smith, ed. E. C. Mossner e I. S. Ross (Oxford: Oxford University Press, 1976), 137
[iii] A opinião anterior de Smith sobre Rousseau não poderia ter sido maior. Assim, no segundo ensaio jamais publicado, ele escreve, “o gênio original e inventivo dos ingleses (…) descobriu-se (…) na moral, na metafísica e em parte das ciências abstratas. Todas as tentativas feitas nos tempos modernos para melhoria nesta filosofia contenciosa e impróspera foram feitas na Inglaterra. A exceção das meditações de Descartes, desconheço obra francesa que vise ser original (…) [Entretanto] A filosofia inglesa (…) parece agora ser negligenciada pelos próprios ingleses (…) [e ter sido] transportada para a França(…), acima de tudo no recente discurso sobre a desigualdade do Sr. Rousseau de Genebra.” [“Letter to the Edinburgh Review” [1756], in W. P. D. Wightman and J. C. Bryce (eds.), Essays on Philosophical Subjects (Oxford: Oxford University Press, 1980), 250-51.]
[iv] Barthélemy Faujas de Saint-Fond, A Journey Through England and Scotland to the Hebrides in 1784, vol. 2, editado por Sir Archibald Geikie (Glasgow, H. Hopkins, 1907), 246.
[v] Adam Smith para Andreas Holt 10/26/1780, in Correspondence, 251.
[vi] Jean-Jacques Rousseau, Confessions, trans. J. M. Cohen (London: Penguin Books, 1953), 306.
[vii] David Harvey, A Companion to Marx’s Capital (New York: Verso, 2010), 52.
[viii] David Harvey, Spaces of Hope (Berkeley: University of California Press, 2000), 175.
[ix] Para a ideia de que os economistas políticos burgueses como Smith foram vítimas de “uma imagem da realidade que se desenvolve de forma independente como resultado da prática diária dos membros da sociedade burguesa,” ver Michael Heinrich, An Introduction to Marx’s Three Volumes of Capital, translated by Alexander Locascio (New York: Monthly Review Press, 2012), 34-5.
[x] T. W. Adorno, “Sociedade”, traduzida por F. R. Jameson Salmagundi 10-11 (1969-70), 144. Em outro lugar Adorno elabora a ideia dizendo, a societalização da sociedade, sua consolidação no que (…) é mais verdadeiramente como um sistema do que um organismo, resultou do princípio da dominação, o princípio da divisão em si, e o perpetua. A sociedade tem sobrevivido, se reproduzido e se estendido, e desenvolveu as suas forças, somente através da sua divisão para os interesses opostos daqueles que comandam e que produzem. [Theodor W. Adorno, Hegel: Three Studies, translated by Shierry Weber Nicholsen (Cambridge: MIT Press, 1993), 79].