Maquiavel, Montesquieu e Madison: uma genealogia republicana, por Luís Falcão

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Luís Falcão é doutorando em ciência política pelo IESP-UERJ.
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Resumo

Maquiavel, Montesquieu e Madison: uma genealogia republicana

A contemporânea ambivalência na utilização dos termos governo e Estado tem suas explicações não apenas na proximidade dos usos e percursos históricos, mas também na conceitual sobreposição e recíproca dependência de um frente ao outro. O surgimento da reflexão política, e da reflexão sobre a própria política, se deu a partir de objetos distintos das correntes definições de Estado. O conceito de governo, por outro lado, se expandiu à medida que as relações de dominação entre os homens se pretendiam legitimadas. Nesse sentido, o governo, como anterior ao Estado moderno, se estabeleceu conflitivamente às categorias modernas de Estado, como moeda única, território, população.

Abstract

Machiavelli, Montesquieu and Madison, a Republican genealogy

The ambivalence in the contemporary use of the terms state and government not only has its explanation in the proximity of the uses and historical trajectories, but also due to their mutual conceptual overlap and dependence. The emergence of political reflection, and reflection on politics itself, happened through different objects taken from of the current definitions of state. The concept of government, on the other hand, expanded as the relations of domination between men claimed legitimized. In this sense, the government, as previous to the modern state, was established in conflict to the modern categories of State, as the single currency, territory, population.

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Della città di Dorotea si può parlare in due maniere.

Italo Calvino, Le Città Invisibili

A contemporânea ambivalência na utilização dos termos governo e Estado tem suas explicações não apenas na proximidade dos usos e percursos históricos, mas também na conceitual sobreposição e recíproca dependência de um frente ao outro. O surgimento da reflexão política, e da reflexão sobre a própria política, se deu a partir de objetos distintos das correntes definições de Estado. O conceito de governo, por outro lado, se expandiu à medida que as relações de dominação entre os homens se pretendiam legitimadas. Nesse sentido, o governo, como anterior ao Estado moderno, se estabeleceu conflitivamente às categorias modernas de Estado, como moeda única, território, população etc. A necessidade de se justificar o domínio governamental assumia, então, um caráter mais diretivo e condutor do que coercitivo e bélico. Ainda no fim da Idade Média, o governo se torna autônomo da instância de dominação pura pelo fato de portar o discurso da não violência (SENELLART, 2006, p. 29). O imperativo político de adequar meios e fins na consubstanciação de dominações legítimas impôs, antes mesmo da ascensão do Estado, um processo contínuo de negociação e conflito entre governantes e governados. Nos interstícios entre a potência diretiva dos governantes e os hábitos e práticas dos governados, o próprio governo se realiza e se firma. “E é esse jogo entre a vontade soberana e os costumes da nação que define o conceito de governo” (SENELLART, 2006, p. 33). Portanto, antes de ser apenas uma forma fixa, o governo, diferentemente do Estado, se ancora em condições sociais específicas. Por esse caminho, o presente trabalho pretende abordar o governo republicano.

Partamos da teoria aristotélica das formas de governo como instrumento de referência. Aristóteles argumenta, sobretudo na Política, que as formas de governo são estabelecidas pelo número de governantes: um, poucos ou muitos. Desta definição incorpora-se o qualificativo de em prol de quem se governa, se para toda a pólis ou em proveito próprio. O primeiro constitui o regime por excelência, o segundo, sua degeneração. Pois bem, esses dois critérios definem a forma de governo, ambos partem da própria ação do governo. Portanto, diríamos hoje, não é necessário saber as condições sociais dos governados para definir o governo. A tradição ocidental se pautou, em grande medida, por esses critérios, mesmo quando pretendia criticá-los. O paradigma aristotélico repercutiu, assim, para conformar a forma republicana de governo. Mesmo oriunda do pensamento latino, a república se coadunou às teorias gregas e, já no quattrocento, teve lugar nas variações entre democracia, aristocracia e os regimes mistos (BIGNOTTO, 2001, p.199-202).

Outra maneira possível de se abordar a classificação dos regimes políticos é decorrente das condições sociais que impulsionam o governo a determinadas ações. A formação de uma sociedade, historicamente construída, a divisão do trabalho e a religião, por exemplo, unidos a aspectos físicos, como a dimensão territorial, a geografia e o clima do país, produzem perfis sócio-culturais que, de um lado, limitam a ação do governo e, de outro, imputam políticas a ele. Mesmo que sua forma de governo seja, por exemplo, monárquica, uma cidade que vive na igualdade cívica força o governo a aceitar determinadas medidas e, por outro lado, o permite tomar outras que correspondam mais à democracia do que à monarquia. Isso significa que o governo se depara com uma determinada margem de atuação. Esses condicionantes o conduzem a um determinado modo de governar, que, não necessariamente, se assenta em sua forma. Assim, todo regime pode ser visto por dois ângulos: forma de governo e modo de governar. A tradição republicana moderna desenhou esses dois caracteres tanto através de valores quanto de instituições. Se, por um lado, república pode significar uma forma de governo que se opõe ao governo de um, por outro, também significa um determinado conjunto de atitudes definidas; embora essas duas variantes não caminhem necessariamente juntas; pois, afinal, “são duas tradições governamentais distintas, a da arte de bem governar e a da forma ótima de governo” (SENELLART, 2006, p. 38).

O pensamento republicano, desde a redescoberta dos textos de Aristóteles até Maquiavel, se consuma eminentemente nas formas de governo e nos modos de governar subjacentes. “Mas a reflexão sobre as formas permanece inseparável […] de uma análise dos modos de governo – político, régio ou despótico –, cujo modelo conceitual encontravam igualmente em Aristóteles” (SENELLART, 2006, p. 208). A partir da inclusão maquiaveliana do príncipe e da república na exclusiva esfera da temporalidade humana, ainda sob os auspícios das formas de governo, o modo de governar pôde se libertar da tipologia aristotélica. Mesmo que não tenha Maquiavel configurado a república exclusivamente como modo de governar, sua imbricação humana da coisa política permitiu que, logo após, assim se fizesse. Portanto, a partir de Maquiavel, passamos a formular outra pergunta. “Em outros termos, a interrogação incide menos, daí por diante, sobre a forma de governo que sobre o modo de exercício do poder” (SENELLART, 2006, p. 209).

Importa para este trabalho o ponto de inflexão de Maquiavel ao abrir caminho para o modo republicano de governar sem que tenha tornado autônoma essa dimensão do republicanismo no que tange às formas de governo. Mesmo que existam determinados modos republicanos de governar, e isso é claro ao longo dos Discorsi, a definição primária de república não necessita de qualquer aspecto sociológico. Montesquieu, classificado por alguns como um dos fundadores da sociologia, embora não abandone a forma de governo da república, correlaciona-a a um sem número de variáveis sociológicas. Para ele, há a república como forma de governo e também como modo de governar, sem qualquer contradição. Madison, por sua vez, abandona completamente o plano da forma de governo republicana, propõe uma completamente nova, mas se fixa na sociologia e no modo republicano de governar. A revolução no pensamento republicano que Maquiavel pôs em curso extrapolou os limites do próprio florentino.

1. Maquiavel

Sem transpor os limites do texto de Maquiavel, é possível identificarmos inúmeras referências à república. O termo assume a conotação de Estado[1], de regime bem-ordenado[2] e não bem-ordenado[3], e de república estreita[4], larga[5], mista[6] e perfeita[7]. O que faz as repúblicas diferirem uma das outras não invalida a ideia de que todas as variantes sejam, ainda, repúblicas[8]. Desse modo, existe um núcleo central do conceito de onde se originaram as variações (VIROLI, 1999, p. 121). República pode ser compreendida como aquele governo, em oposição ao principado, que possui ao menos uma das instituições do governo popular e/ou do governo dos optimates. Mesmo que ainda sobrevivam características hereditárias, como o gonfaloneiro da justiça em Florença (1498-1512), uma mistura com elementos democráticos e/ou aristocráticos é suficiente para caracterizar a república. Entretanto, a classificação geral das formas de governo parte primeiro da análise da fundação das cidades.

O critério de classificação das cidades passa por duas grandes definições: quem funda a cidade e o que decorre após a fundação. A fundação é sempre pautada na identificação de seu fundador – nativo ou forasteiro. Se forasteiro, ele é livre ou dependente de outrem, se livre, habita a cidade ou sai a edificar outras; se nativo, é sempre livre (Discorsi, I, 1). Subjacente ao critério de quem é o fundador, a liberdade deste e da cidade é outro critério de definição da cidade (POCOCK, 2003, p. 188). A virtù do edificador é o compasso que caracteriza a fortuna dos edificados, isto é, a liberdade da cidade não depende da fortuna, mas do edificador e sua virtù. “En este caso es donde mejor se conoce la virtud del edificador y la fortuna de lo edificado, la cual es más o menos maravillosa según haya sido más o menos virtuoso ‘aquel que fue su principio’” (MANSFIELD, 1979, p. 28). É possível, assim, um quadro classificatório completo para toda e qualquer cidade: origem do fundador, liberdade garantida por ele ou pela fortuna e em paralelo às cidades de fundação não livre.

Dando sequência ao seu trabalho, Maquiavel, no segundo capítulo dos Discorsi, aborda o tema da república mais detidamente. Para introduzir o assunto, restringe seu objeto de estudo às cidades que “nasceram distantes de todo tipo de servidão externa, mas logo se governaram pelo seu próprio arbítrio, seja como repúblicas, seja como principados: cidades que tiveram não só diferentes princípios, mas diferentes leis e ordenações” (MAQUIAVEL, 2007a, p. 12; Discorsi, I, 2)[9]. Este capítulo se assemelha ao tipo de escrita e dos objetivos de O Príncipe – “Quantas espécies há de repúblicas e qual pertenceu a república romana”[10] -, pois nele fica claro que o assunto é a classificação dos governos republicanos. Sobre a classificação constitucional, Maquiavel argumenta:

Portanto, para discorrer sobre as ordenações da cidade de Roma e os acontecimentos que levaram à perfeição, direi o que dizem alguns que escreveram sobre as repúblicas, ou seja, que há nelas um dos três estados, chamados principado, optimates e popular; e que aqueles que ordenam uma cidade deve voltar-se para um deles, segundo os que parecem mais apropriados. (MAQUIAVEL, 2007a, p. 14; Discorsi, I, 2)[11]

Diversos textos de Maquiavel possuem a mesma estrutura esquemática (CHABOD, 1958, p. 144), em geral, tratam de formas de governo logo nas primeiras páginas[12]. “Like Il Principe, the Discorsi open with a typology, a classification of republics in terms of their modes of origin” (POCOCK, 2003, p.186). A citação maquiaveliana acima não só identifica a classificação dos Estados residentes na república, mas também levanta uma problemática com a primeira frase de O Príncipe: “Todos os Estados, todos os domínios que tiveram e têm autoridade sobre o homem foram e são repúblicas ou principados” (MAQUIAVEL, 2004, p. 3; Príncipe, I)[13]. A aparente contrariedade entre os Discorsi e O Príncipe pode ser compreendida na medida em que se observe que a classificação das formas de governo obedece a dois cortes distintos: 1) os regimes são divididos em dois: repúblicas e principados; 2) as repúblicas são dividas em duas: a do popolo e a dos optimati. Primeiramente, existe, portanto, “uma classificação dupla dos governos (repúblicas e principados), em lugar da preferência grega clássica pelas tríades (monarquia, aristocracia e democracia, ou outras similares). Niccolò tem preferência muito maior pela bipartição” (GRAZIA, 1993, p. 106). O ponto alto dessa argumentação reside no princípio dos Discursus Florentinarum Rerum:

A razão por que Florença sempre variou com frequência nos seus governos foi porque esta nunca foi nem república nem principado que possuíssem suas qualidades necessárias: porque não se pode chamar isso um principado estabelecido, onde as coisas se fazem segundo a vontade de um e se deliberam com o consenso de muitos; nem se pode crer ser essa república por durar, onde não se satisfazem os humores, aos quais não se satisfazendo, a república arruína-se. (MACHIAVELLI, 1997, p. 733; Discursus. Tradução nossa.)[14]

Logo na primeira frase do texto, Maquiavel mostra que a variação do governo de Florença se deveu ao fato de que aquele Estado não foi nem república nem principado que correspondessem cada uma a suas funções. Vemos aqui dois pontos interessantes: o primeiro, é que cada forma de governo possui em si características intrínsecas que as definem, o segundo, é que a estabilidade de um regime depende da maneira como se tomam decisões em cada uma das respectivas formas. Ambos os pontos contribuem para melhor compreendermos a forma de governo e, consequentemente da república, como elementos determinados internamente ao próprio regime, o que significa que um determinado modo de agir de um governo não o caracteriza como tal ou qual forma. Além disso, Maquiavel expõe duas e não três formas de governo. Em um principado instável as coisas são feitas segundo o desejo de um e uma república de pouca duração é aquela que não satisfaz os humores de muitos (GRAZIA, 1993, p. 123). Podemos concluir que um principado de sucesso tem sua sustentação em um príncipe que saiba decidir e não divide essa atividade com muitos. No mesmo sentido, uma república estável deve, para alcançar tal fim, satisfazer os humores de muitos, ou seja, do povo.

Quanto às repúblicas, haveria três Estados, um deles é claramente o principado, os outros dois são governos puros: de populares ou dos optimates. O fracionamento em Estados da república busca explicar sua potência em direção ao governo misto, preferência do florentino por evitar ao máximo a degeneração. “Maquiavel acredita, é claro, que esses estágios de corrupção e decadência embora inevitáveis, possam ser retardados pela instituição de uma forma mista de governo republicano, porque essa permite combinar-se às forças das três formas ‘puras’ de governo sem as respectivas fraquezas” (SKINNER, 1996, p. 207). “Lo que él tiene en mente es un regimen mixto para mitigar los efectos de los regimes simples” (MANSFIELD, 1979, p. 34). A tipologia parece resolvida quando, então, Maquiavel a torna mais complexa:

Outros – mais sábios, segundo a opinião de muitos – são de opinião que existem seis formas de governo, das quais três são péssimas e três são boas em si mesmas, mas tão fáceis de corromper-se, que também elas vêm a ser perniciosas. Os bons são os três acima citados [principado, optimate e governo popular]; os ruins são outros três que desses três decorrem; e cada um destes se assemelha àquele que lhe está próximo, e facilmente passam de um a outro: porque o principado facilmente se torna tirânico; os optimates com facilidade se tornam governo de poucos; o popular sem dificuldade se torna licencioso. (MAQUIAVEL, 2007a, p. 14; Discorsi, I, 2)[15]

Os três stati ou as seis ragioni governi expressam, cada uma a seu modo, a tripartição clássica. Poder-se-ia afirmar que cada stato possui duas ragioniprincipato e tirannide, ottimati e stato di pochi, popolo e licenza – conformando, aristotelicamente, o governo buono e o rei. Mas, como apenas se pode sustentar um desses regimes por pouco tempo e cada combinação de dois é em si muito similar, cada um desses stati representa uma forma de governo que, em casos especiais e por pouco tempo, se ramifica em uma ou outra ragione. Assim, ragione governo pode ser identificada com o propósito de cada um dos seis elementos, dando forma ao governo. Portanto, trata-se de três stati, ou três formas de governo, podendo ou não serem convertidas em seis. A caracterização das três se dá pelo número de governantes e, das seis ragioni, pelo propósito do governo (POCOCK, 2003, p. 70).

Para Maquiavel, não há diferenças substanciais entre um governo bom e um ruim no que tange à classificação de suas formas, pois o conteúdo do governo é eximido de qualquer qualificativo moral (STRAUSS, 1978, p. 232), isto é, não há regras universais. O como se governa um Estado é neutro do ponto de vista de um conjunto de ações que devem, necessariamente, ser perseguidas para haver um governo voltado para o bem. Nesse sentido, a república maquiaveliana não pode fugir de seus paradigmas de classificação de governos, o que significa afirmar que, para Maquiavel, república é uma forma de governo no sentido denso do termo forma; tendo, portanto, qualificativo neutro pela proximidade entre virtù e vício (Principe, XV; Discorsi, I, 2). Isso não apenas porque se opõe ao governo de um, mas sobretudo porque os três stati e as seis ragioni lhe conferem sentido próprio.

Partiremos, agora, para a bifurcação republicana em ottimati e popolo. O governo dos ottimati tem sua origem no senado romano no período republicano, mas, quando o termo é adotado no renascimento, sofre uma ligeira alteração. Para os humanistas e também para a geração de Maquiavel, ottimati representavam aristocracia, no sentido mais amplo do termo, ou seja, não significa que os ottimati faziam parte diretamente do governo, porém compunham a elite da cidade republicana (POCOCK, 2003, p. 101). “The ottimati, in this image or self-image of their role, are a civic aristocracy; their qualities exist and are displayed in relations with other citizens” (POCOCK, 2003, p. 119). Desse modo, os ottimati transitam para a modernidade mais como uma idéia de seguimento social do que de instituição ou forma de governo. Entretanto, é possível identificar a forma de governo correspondente a ottimati: a república stretta, que pode ser definida como um “group among the inhabitants, acknowledges that civic participation is a good, something that men aim at, that develops men toward goodness, that it is desirable to extend to as many as possible” (POCOCK, 2003, p. 118).

Ao identificar o popolo com um governo, stato popolare, Maquiavel estabelece uma outra forma de governo republicano. Um stato popolare se consuma em um governo largo, assim como um optimate em um governo stretto, pois “termos como democracia ou aristocracia não faziam parte do vocabulário político; discutia-se se o governo era ‘stretto ou ‘largo‘” (BIGNOTTO, 1991, p. 73). Nesse sentido, existe uma bifurcação das formas puras republicanas de governo: stretto ou largo, pautados em ottimati ou popolo.

É interessante notar que, em termos institucionais, a diferença entre um governo largo e um stretto pode não ser significativa por diferir apenas na existência de uma assembléia ou mesmo de seu tamanho, o que se relaciona, evidentemente, com seu poder de deliberação. Nesses termos, é possível pensar os dois modelos de república como sendo significativamente próximos ou que, dependendo do contexto, a mudança de um para outro não acarrete diferenças substanciais. Isso se deve ao fato de que a idéia de um governo stretto estava ancorada no que fora o senado romano durante o período republicano. Entretanto, a transformação da instituição senado em um conceito mais amplo, ottimati, referente mais a um segmento social do que a uma instituição governamental, tornou essa separação mais difusa do que ocorrera na antiguidade. Longe aqui de querermos identificar as duas formas como portadora do mesmo conceito, porém, julgamos que as diferenças, a partir desses modelos conceituais, se reduziram da antiguidade para a modernidade.

Mesmo com aparentes qualificativos de liberdade e vivere civile, é importante destacar que não existem boas condutas expressamente definidas para os governos, ou ainda, que existam recursos sociais de hábitos e costumes que fazem do governo uma forma republicana. O tema dos costumes em Maquiavel é por demais importante para ser abordado desta forma, entretanto, destacaremos apenas que, para o florentino, os costumes de um povo não possibilitam classificações de governo, apenas podem contribuir para a sustentação ou queda de uma determinada forma. A percepção sociológica das mudanças de forma de governo nos ciclos históricos mostra como o comportamento humano, de governantes e governados, atua nas variações de governo, mas não as define. Um regime republicano pode ser mais bem sustentado quando o povo possui liberdade, vivere civile e está armado. O que está longe de afirmar que a existência dessas três condições implica em uma república, ou mesmo em características republicanas. Nesse sentido, o peso do termo república cai diretamente sobre o Estado e não sobre os costumes do povo, assim, república é uma forma de governo e não um modo de governar. Comprova-se isso pela institucionalização dos segmentos sociais – ottimati e popolo – em regimes políticos – stretto e largo.

Não se pode decretar o fim de uma república pelo fato de ela não cumprir com os requisitos da boa ordem. Para além do emprego dos qualificativos para as repúblicas que não são bem-ordenadas, Maquiavel reconhece, por exemplo, a utilidade da ditadura romana para a república. Isso mostra que, antes de só observar qualidades, o florentino reconhece um núcleo central da forma republicana de governo que se ampara nos critérios aristotélicos de classificação dos regimes.

2. Montesquieu

Já no segundo livro de Do Espírito das Leis, quando Montesquieu apresenta sua classificação dos governos e afirma que existem três espécies, espanta-se o leitor familiarizado com a literatura política que essas três espécies não devem nada à tripartição grega[16]. República não é uma categoria nova, mas é inovador o sentido dado por ele, assim como monarquia e despotismo. Para isso, Montesquieu cria o conceito de natureza dos governos.

Para descobrir-lhe a natureza [dos governos], é suficiente a idéia que deles têm os homens menos instruídos. Suponho três definições, ou antes, três fatos: um que “o governo republicano é aquele em que o povo, como um todo, ou somente uma parcela do povo, possui o poder soberano; a monarquia é aquele em que um só governa, mas de acordo com as leis fixas e estabelecidas, enquanto, no governo despótico, uma só pessoa, sem obedecer a leis e regras, realiza tudo por sua vontade e seus caprichos”. (MONTESQUIEU, 1973, p. 39; EL, II, 12)[17]

Além da natureza, cada governo possui um princípio. A primeira é o que faz o governo ser como é, o segundo é o que o faz agir (EL, III, 1). O princípio da república é a virtude, da monarquia, a honra e do despotismo, o medo. A união de princípio e natureza conforma a definição própria da forma de governo e, quando se separam, o regime se condena à derrocada (ALTHUSSER, 1972, p. 64). Esse quadro apresenta uma complexificação das formas maquiavelianas de governo, como mostra Levi-Malvano: “che nel Machiavelli era frammentario e embrionale, nel Montesquieu diventa ordinato, preciso e sistematico, trova il suo posto importante in una teoria più larga e più compensativa: quelle dei tre principii che sono alla base delle tre forme di governo analizzate nell’Esprit des Lois” (LEVI-MALVANO, 1912, p. 53-54).

Ao longo da obra, o autor apresenta uma classificação pouco sistemática dos regimes. Precedente às categorias de natureza e princípio, todos os regimes podem ser classificados como moderados ou não moderados. Governo moderado é aquele que possui as leis fundamentais e garante a liberdade (VERNIÈRE, 2003, p. 385), a saber, a monarquia e a república. Mas, para compreender essa bifurcação, é preciso compreender como os princípios atuam nos regimes.

A honra, que faz cada um desfrutar de sua posição no edifício social, gera a desigualdade e, também por isso, sustenta a liberdade. Na monarquia, os vícios privados geram benefícios públicos[18], na república, os benefícios públicos são gerados pelas virtudes privadas; ora todos se dedicam a si mesmos e conduzem o todo ao benefício, ora, todos agem em prol de todos. Esta é a diferença marcante entre regimes moderados e não moderados. No primeiro, o resultado público dos princípios privados é sempre positivo, no segundo, o resultado é negativo porque não há atividade de todos, nem em benefício próprio, nem coletivo. No despotismo, como todos são iguais no medo para com o soberano, nenhum resultado pode ser positivo, uma vez que o déspota governa por caprichos próprios e não há uma atitude positiva daqueles que são governados.

Com efeito, se os dois tipos de governo, o republicano e o monárquico, diferem em essência, porque um se fundamenta na igualdade e o outro na desigualdade, um na virtude política dos cidadãos e o outro num substitutivo da virtude, que é a honra, estes dois regimes possuem, no entanto, uma característica comum: são moderados e neles ninguém comanda de modo arbitrário, à revelia das leis. (ARON, 2003, p. 16)

Governo não moderado é o despotismo, justamente por se contrapor a essas características, não há liberdade nem leis fundamentais. Assim, governo não moderado e despotismo são um único e mesmo caso. A república, por sua vez, se divide em democracia e aristocracia, mas essa diferenciação se deve principalmente a graduações distintas de uma mesma natureza e mesmo princípio. “Quando, numa república, o povo como um todo possui o poder soberano, trata-se de uma democracia. Quando o poder soberano está nas mãos de uma parte do povo, trata-se de uma aristocracia. O povo, na democracia, é, sob alguns aspectos, o monarca; sob outros, o súdito” (MONTESQUIEU, 1973, p. 39; EL, II, 2)[19]. O fato de o povo ser ao mesmo tempo monarca – aqui no sentido de soberano – e súdito significa que ele forma um todo de governantes e governados, um corpo político coeso. (ALTHUSSER, 1972, p. 63). O princípio da república é a virtude, da democracia, a igualdade, e da aristocracia, a moderação. Igualdade e moderação são especificidades distintas, em diferentes variações republicanas, da virtude.

O quadro geral está, agora, completo. Os regimes dividem-se em moderados e o despotismo, os primeiros são formados por monarquias e repúblicas e, as mesmas, por democracias ou aristocracias. Mas a diferença entre estas últimas é tão somente de graduação e não de natureza ou princípio. “The nature of a government is that which gives it being; its principle is that which causes action. To define the nature of a government is to determine its structure; to define its principle is to analyse the nature and passions of the men who conduct it” (SOREL, 1887, p. l80).

Ao se declinar a avaliação dos princípios, chega-se à noção de que eles são bases constitutivas da sociedade e compõem mais do que um artifício da tipologia dos governos. Os princípios são correlações positivas das estruturas sociais, podem servir para a tipologia de governos, mas são prioritariamente parte da sociedade. “Montesquieu associa também a classificação dos regimes à análise das sociedades, baseando-se na noção do princípio do governo, isto é, daquilo que deve ser o sentimento indispensável ao funcionamento de cada regime. A teoria do princípio leva claramente a uma teoria da organização social” (ARON, 2003, p. 15). É precisamente da sociologia, associada ao princípio, que se deriva o modo de governar de cada regime. Um conjunto virtualmente infinito de variáveis sociais e naturais conduz cada região habitada a um modo de governar que, não necessariamente, se relaciona à forma de governo correspondente. “Considerado não do ponto de vista da forma do governo, isto é das suas exigências políticas, mas do ponto de vista do conteúdo, isto é das origens, o princípio é bem a expressão política do comportamento concreto dos homens, isto é dos costumes e do espírito destes” (ALTHUSSER, 1972, p. 78). A forma e o conteúdo desenvolvidos por Althusser representam duas facetas de qualquer governo: a forma é a natureza e o princípio do governo, tal como Montesquieu os define, o conteúdo é seu modo de governar, que se define pela formação dos costumes, do espírito e do princípio. Desse modo, infere-se uma sociologia dos regimes políticos (ARON, 2003, p. 20).

O quinto livro trata Dos Presentes: “Numa república, os presentes são coisa odiosa, porque a virtude não tem necessidade deles. Numa monarquia, a honra é o motivo mais forte que os presentes. Mas no Estado despótico, em que não existe honra nem virtude, pode-se, apenas, ser levado a agir pela esperança de facilidades de vida” (MONTESQUIEU, 1973, p. 84; EL, V, 17)[20]. Em uma república não deve um governante aceitar e um cidadão oferecer presentes ao governante. Esta é uma atitude que discrimina e gera corrupção; um regime virtuoso deve ter imparcialidade na condução dos negócios públicos. Na monarquia, isso é menos perceptível, uma vez que a honra apenas dispensa os presentes, mas não parece impedi-los. No que se refere à república, esta é uma colocação que sai em defesa de um regime onde o governo deve ter uma postura em prol do coletivo, e não poderia ser diferente, uma vez que há virtude (DEDIEU, 1943, p. 129-123). O fato de haver ou não presentes aos governantes não define a república enquanto uma forma de governo, mas, antes, como modo de governar; assim, existe republicanismo e não uma necessária forma de governo republicana. Nada impede que, mesmo em um despotismo, o déspota recuse presentes. A sociologia dos regimes se passa, então, pelos princípios: “[N]uma república, em que a virtude reina, motivo suficiente em si mesmo, e que exclui todos os demais, o Estado só recompensa com testemunhos dessa virtude” (MONTESQUIEU, 1973, p. 84; EL, V, 18)[21].

Mais a frente, coloca-se a questão: “Devem as leis forçar os cidadãos a aceitar empregos públicos? Respondo que o devem num governo republicano e não num monárquico. No primeiro, as magistraturas são testemunhos de virtude, depósitos que a pátria confia a um cidadão, que só deve viver, agir e pensar por ela; não pode, portanto, recusá-los” (MONTESQUIEU, 1973, p. 85; EL, V, 19)[22]. A obrigação para com a coisa pública é irrecusável para qualquer cidadão, por isso, a virtude é elemento constitutivo e sustentáculo da república. Não constitui forma de governo o fato de os cidadãos serem forçados a integrar negócios públicos, mas sim o modo de governar; isto é, a maneira republicana de conduzir os negócios públicos pode e, se necessitar, deve forçar o cidadão ao engajamento. Mesmo sendo as leis recursos necessários para forçar o cidadão a aceitar emprego público, ela se legitima na medida em que há virtude, o que significa que esse princípio, ao entrar para os costumes, possui uma força maior que as leis.

O texto segue com uma importante passagem: “O falecido rei da Sardenha punia os que recusavam as dignidades e empregos de seu Estado; sem sabê-lo, seguia as ideias republicanas. Sua maneira de governar, aliás, prova muito bem que essa não era sua intenção” (MONTESQUIEU, 1973, p. 85; EL, V, 19)[23]. Independentemente de o agente do governo saber ou possuir a intenção de ser republicano, o republicanismo pode se instaurar em seu seio; ele se mostra como uma maneira de tratar o Estado, porque se sustenta nos costumes. O que faz de um rei ser republicano, mesmo sem intenção, é o fato de dispor de virtude própria e dos súditos em prol de seu regime. Contudo, a frase de maior efeito do mesmo capítulo é a seguinte: “Vede, uma nação em que a república se esconde sob a forma de monarquia” (MONTESQUIEU, 1973, p. 85; EL, V, 19)[24]. “All of this suggests something about human nature and something about the ‘principle’ of the ‘republic concealed under the form of a monarchy’ that Montesquieu investigated during his extended sojourn in England” (RAHE, 2009, p. 37). O presidente de la Brède se refere aqui à Inglaterra, que, por um lado, é monarquia, pois possui monarca, e, por outro, república, porque seu modo de governar é republicano.

Não há qualquer contradição ou mesmo prejuízo para a junção de tipos de governos que não se combinam em sua forma e seu modo de governar, pelo contrário, parece que a Inglaterra é a perfeita realização da monarquia republicana. Se, por um lado, a natureza e o princípio conduzem este país à monarquia, por outro, as condições sociológicas e também o princípio o direcionam para a república. Assim, conclui-se que não são os regimes que coadunam forma de governo e o modo de governar os melhores realizados, eles não são, necessariamente, aqueles que melhor garantem a liberdade e a felicidades dos cidadãos e do Estado. “The English constitution, indeed, has found its way, not only in monarchies, but also, with a few outward changes, in the republics” (SOREL, 1887, p. 109). Dessa maneira, os modos de governar aparecem com maior nitidez em regimes não coesos com a forma de governo, ou seja, é mais bem observado o republicanismo inglês porque a forma de governo é monárquica. Desse contraste exalta-se o republicanismo. “It is likewise natural to believe that Montesquieu was looking out for an effect of contrast” (SOREL, 1887, p. 106). Para melhor compreensão da postura republicana, vejamos o que Montesquieu chama de espírito da república:

Em Roma, permitia-se a um cidadão acusar outro. Isto era estabelecido segundo o espírito da república, em que cada cidadão deveria ter um zelo ilimitado pelo bem público, em que cada cidadão é reputado como tendo todos os direitos da pátria nas mãos. Cumpriram-se, na época dos imperadores, as máximas da república e, a princípio, viu-se surgir um gênero de homens funestos, uma turba de delatores. (MONTESQUIEU, 1973, p. 94; EL, VI, 8)[25]

Independentemente de a acusação ser fato que engrandeça ou não uma república, o interessante está na ideia de espírito da república, isto é, um zelo pelo bem público que se dissemina por todos os cidadãos, pois possuem todos os direitos. Esta é uma das condições necessárias, mas não suficiente, para a sustentação de uma república; mesmo porque as máximas republicanas podem ser aplicadas sob domínio de imperadores, o que mostra uma dissensão entre as máximas e o lócus da soberania. Existem, portanto, modos de agir do governo que independem de sua forma.

O espírito da república aparece novamente na obra, mas não somente em referência a Roma antiga, o que fortalece a divisão classificatória: “Foi no espírito da república, ou em alguns casos particulares, que, em meados do século XIII, se estabeleceram leis suntuárias em Aragão” (MONTESQUIEU, 1973, p. 110; EL, VII, 5)[26]. Sendo o título do capítulo Em que casos as leis suntuárias são úteis numa monarquia, não resta dúvida de que Montesquieu considera o governo de Aragão deste período uma monarquia, mas, ao relatar o acontecimento, refere-se ao espírito da república, inequivocamente, o espírito da república pode residir em uma monarquia. Tanto Roma antiga quanto Aragão do século XIII são exemplos de espíritos de repúblicas em formas de governos não republicanas, em Roma, império[27], em Aragão, monarquia.

Mais à frente, Montesquieu sugere que as variações das formas dos governos relacionam-se mais com a intensidade de características do que com a sua natureza propriamente. “Farei ver, em seguida, que a China, nesse aspecto, está no caso de uma república ou de uma monarquia” (MONTESQUIEU, 1973, p. 95; EL, VI, 9)[28]. A frase possui um efeito devastador se comparada a outros termos precedentes do texto. Em toda sua obra, como ocorre com outros regimes asiáticos[29], a China é classificada como despotismo[30], na passagem anterior, no entanto, afirma que o mesmo país se mostra como uma república ou monarquia. A China pode simultaneamente ser cada uma das três classificações: república, monarquia e despotismo. Isto é possível por dois principais motivos: primeiro, os governos se diferenciam também por grau, ou seja, por possuir mais ou menos determinadas características que os definem; segundo motivo, isso só é possível, por sua vez, justamente porque aqui Montesquieu refere-se ao modo de governar e não à forma de governo. Assim, os diferentes modos de governar possuem uma linearidade que permite classificá-los a partir da intensidade de um conjunto de elementos, o que ainda é influenciado por traços da sociedade que independem do Estado. Portanto, o exemplo da China, como modo de governar, pode, dependendo do tema tratado, se mostrar despótico, republicano ou monárquico, e reafirma o caráter desnecessário da unidade entre a forma do governo e o modo de governar.

3. Madison

A geração que viveu a declaração de independência dos Estados Unidos se viu diante da necessidade de decidir sobre qual regime político adotar. Se, por um lado, a Inglaterra representava o sistema mais liberal conhecido, por outro, as antigas colônias tinham acabado de se livrar de seu jugo. Os fundadores americanos partiram para o desafio de inaugurar um regime político sem precedentes na história. A eleição do chefe do poder executivo, a representação bicameral dos estados federados e da população, uma Constituição comum unida às Constituições estaduais e a necessária circulação de representantes foram os pilares inovadores. Entretanto, todos eles confluem para uma inovação maior, que engloba todas as outras: a república grande. James Madison, o maior teórico e defensor desse desafio, inverteu os argumentos de Montesquieu e afirmou as vantagens da república grande sobre a pequena. A diversidade social – gostos, partidos, crenças e interesses – é, para Madison, fato em qualquer sociedade, o que explica a superioridade de uma república grande.

Aqueles que tendem para uma democracia simples, ou uma república pura, comandados pelo senso da maioria e operando dentro de limites estreitos, assumem ou supõem um processo que é totalmente fictício. Eles encontram seus raciocínios na ideia de que as pessoas que compõem a sociedade desfrutam não apenas da igualdade de direitos políticos, mas que elas têm precisamente os mesmos interesses e os mesmos sentimentos em todos os aspectos. (MADISON, 1999, p. 149-150; carta a Thomas Jefferson, 24/10/1787. Tradução nossa.)[31]

Compreende-se aqui uma diferença entre as repúblicas grandes e pequenas. Nestas haveria apenas um, naquelas há diversidades de interesses, por isso, a pluralidade pode ser mobilizada como pilar do interesse público, impedindo, inclusive, a tirania da maioria; afinal, julgar todos os interesses como iguais é uma ficção. Assim, é a variedade de interesses que legitima o princípio da maioria. “Para assegurar todas as vantagens de tal sistema, cada bom cidadão será como uma sentinela sobre os direitos do povo, sobre as autoridades do governo confederado e sobre ambos os direitos e autoridades dos governos intermediários” (MADISON, 1999, p. 502; Government, 02/01/1792. Tradução nossa.)[32]. O papel do cidadão nos negócios públicos somente se faz eficaz devido à pluralidade dos próprios cidadãos, pois sendo estes diferentes, tendem a se preocupar com temas diferentes e, com isso, o governo ganha maior legitimidade. Toda a inovação madisoniana parte de interpretações sociológicas distintas do que o pensamento republicano fazia até então. Para o estadista americano, numa república não há plena igualdade em todas as dimensões sociais, pelo contrário, a república deve se utilizar da própria diversidade, e esta se intensifica à medida que o território aumenta, daí a superioridade da república grande (KERNNEL, 2003, p. 120).

No Federalist 10, Madison apresenta seu plano: sustentar os princípios que os simpatizantes do governo popular valorizam e, simultaneamente, corrigir as distorções deste regime, a saber, a facção. Se, por um lado, o governo popular é o regime mais suscetível a criar facções, por outro, seus princípios devem ser mantidos. A problemática consiste, portanto, em construir um regime que possua os princípios do governo popular, mas não sob a forma do governo popular, pois governos populares geram disputas tais que comprometem a liberdade (WIRLS, 2003, p. 158). Nesse momento, Madison acaba com a forma de governo republicana para manter o modo de governar republicano. Nesse sentido, se afasta da visão tradicional ao negar a forma de governo da república, porém se aproxima da inovação de Montesquieu ao defender a definição de república como um modo de governar, que consiste em impedir a facção.

Necessita-se, assim, curar o mal do facciosismo; resolvido esse problema, o vício do governo popular está solucionado. “Há dois métodos de curar o facciosismo: um, pela remoção das causas; o outro, pelo controle de seus efeitos” (MADISON, 1993, p. 134; Federalist, 10)[33]. A remoção das causas significa extinguir a liberdade ou igualar os interesses; no primeiro caso, o remédio é pior que a doença, no segundo, o método é fazer com que os homens tenham as mesmas opiniões e paixões, o que constitui uma ficção. A segunda forma de conter a facção é controlar seus efeitos, a maneira de atacar o problema está longe de depositar confiança no altruísmo de governantes:

É inútil dizer que estadistas esclarecidos serão capazes de ajustar esses interesses conflitantes e submetê-los todos ao bem público. Nem sempre haverá estadistas esclarecidos no poder. […] A inferência a que somos levados é que as causas do facciosismo não podem ser eliminadas e que o remédio só pode ser buscado nos meios de controlar seus efeitos. (MADISON, 1993, p. 136; Federalist, 10)[34]

Existe um princípio republicano que controla os efeitos, este princípio é a maioria, mas “quando uma facção inclui uma maioria, a forma do governo popular lhe permite sacrificar à sua paixão ou interesse dominante tanto o bem público como os direitos dos demais cidadãos” (MADISON, 1993, p. 136; Federalist, 10)[35]. Isso significa afirmar que o princípio da maioria funciona melhor em um regime republicano do que em um popular. Agora, torna-se confortável mostrar a verdadeira intenção: “Garantir o bem público e os direitos privados contra o perigo de uma facção assim, preservando ao mesmo tempo o espírito e a forma popular, é pois a grande meta a que visam nossas investigações” (MADISON, 1993, p. 136; Federalist, 10)[36]. Não resta dúvida com relação ao objetivo de seu esforço, pois, preservar o espírito e a forma popular pode ser a chave para compreensão de como é possível garantir o bem público. (BANNING, 1995, p. 220). Observe-se que o espírito do governo popular já havia sido citado na introdução do artigo, ou seja, os princípios defendidos pelos simpatizantes do governo popular; a forma é onde reside a problemática.

Para dar continuidade a essa reflexão, Madison necessitou de uma definição mais rigorosa de república: “Uma república, que defino como um governo em que está presente o esquema de representação, abre uma perspectiva diferente e promete o remédio que estamos buscando” (MADISON, 1993, p. 137; Federalist, 10)[37]. Está exposta a conclusão do primeiro momento argumentativo do Federalist 10, isto é, manter o modo de governar da república, que existiria nas democracias, caso se pudesse homogeneizar interesses, com uma nova forma de governo igualmente republicana, porém, distinta das formas republicanas de governo até então propostas. Conter a facção, portanto, consiste em reconhecer, sociologicamente, a pulverização das opiniões e interesses e assim institucionalizá-los.

O autor segue o texto apontando outra qualidade do seu modelo de república: “A mesma vantagem que uma república tem sobre uma democracia no controle dos efeitos do facciosismo é desfrutada também por uma república grande sobre uma pequena – é desfrutada pela União sobre os Estados que a compõem” (MADISON, 1993, p. 139; Federalist, 10)[38]. Pode-se observar, na proposição de Madison, tanto a originalidade da forma do governo quanto a dívida para com as teorias do bom governo republicano. Não resta dúvida de que Madison, neste artigo, lança as bases para uma nova forma de governo com um modo de governar já conhecido, visto que “he even insisted that the term democracy was not appropriate for the government he envisioned. Instead, it should be designated a republic” (DAHL, 2005, p. 440). Por fim, conclui com uma brilhante metáfora: “Vemos, portanto, na extensão e estrutura apropriada da União, um remédio republicano para as doenças que mais afligem o governo republicano” (MADISON, 1993, p. 139; Federalist, 10)[39]. República é, portanto, um modo de governar que impede o facciosismo e projeta o bem público. Sua implementação gera doenças até então inexistentes, para manter o modo de governar e prevenir a doença foi preciso reinventar a forma de governo republicana.

O sistema da república madisoniana é restrito ao esquema de representação não por um fim em si mesmo, mas antes, porque é o regime que mais eficazmente impede o facciosismo. Entretanto, vale a reflexão inversa, caso um regime qualquer não representativo consiga se sustentar sem qualquer facciosismo será ele republicano? Possivelmente, a pergunta não poderia ser respondida abordando-se apenas o número 10 do Federalista, porém, em caso afirmativo, não seria difícil observar uma democracia pura sendo classificada como república, pois, apesar das insistentes diferenciações do autor, não há nada em seu sistema político que impeça isso. Nesse sentido, reforça-se a concepção de que não existe uma forma de governo que possa ser caracterizada como república, apenas modos de governar. Mesmo no caso de uma resposta negativa à pergunta, a república como modo de governar ainda é assim classificada, mas com a contingência do esquema de representação. Chega-se à conclusão de que, independentemente da maneira de abordar o problema, todos os caminhos levam a crer que a república é um modo de governar, tendo ou não o detalhe formal do esquema de representação. “In any case, Madison’s famous distinction between the terms democracy and republic was somewhat arbitrary and ahistorical” (DAHL, 2005, p. 441).

A confirmação de que Madison se atenta a um republicanismo, e não necessariamente ao que era conhecido como república, aparece no Federalista 40: “Devem ter refletido que, em todas as grandes mudanças de governos estabelecidos, a forma deve ceder lugar à substância” (MADISON, 1993, p. 289; Federalist, 40)[40]. Há uma primazia da substância sobre a forma, o que pode ser definido como o modo de governar superior à forma de governo, mais uma adaptação do pensamento de Montesquieu (BANNING, 1995, p. 204). Ao discorrer longamente sobre instituições e afirmar que a substância do governo é superior à sua forma, Madison afirma que o que fornece conteúdo à substância é o conjunto das instituições americanas. Em outras palavras, a substância se realiza nas instituições, porque ancoradas sociologicamente; e a forma de governo na inovação americana, nos princípios que fundaram a república dos Estados Unidos. O novo arcabouço de uma república grande coaduna a união e a substância.

Quanto mais íntima puder ser a natureza de tal união, maior interesse terão os membros nas instituições políticas dos demais; e maior será o direito de insistir em que as formas de governo sob as quais o pacto foi firmado sejam mantidas na substância. (MADISON, 1993, p. 308; Federalist, 43)[41]

O pacto se firma na forma do governo e, a partir dessa proximidade institucional, a substância se sustenta. Assim, a substância, que precede a forma, se mostra superior quando as instituições estão unidas e, com isso, garante o regime. Esta garantia é dada, em última instância, pelo governo federal. Justamente o que se afirmava como contrário ao republicanismo, para outros autores, se mostra como garantia, o governo da União é o fiador da república, regime que foi tantas vezes interpretado impossível em países grandes. O esquema de representação, ou mais precisamente, o sistema que impede o facciosimo, não apenas permite a existência da república, mas também faz do poder central o principal responsável pelo regime.

4. Conclusão

Mesmo após o Estado moderno se firmar como o verdadeiro ente político, o governo continua sendo o processo dinâmico da correlação entre o poder soberano e a sociedade. O fio condutor do republicanismo moderno sofre uma inflexão ao reconhecer a pujança das variedades sociais e dessa dimensão emergem valores que independem do lócus do poder público. A república se mostra, com Maquiavel, como uma forma de governo que não necessariamente se assenta em valores sociológicos: estes passam a integrá-la com Montesquieu e se tornam o único critério para sua definição em Madison. Do conjunto virtualmente infinito de proposições características do republicanismo de Montesquieu emerge um único marco da forma republicana de governar em Madison que é a restrição ao facciosismo. A política e a sociologia confluem em um processo intelectual dinâmico que, em momentos distintos, tende mais para um ou para o outro.

Essa genealogia republicana se firma em dois paradigmas: 1) a república como forma de governo (em critérios aristotélicos), e 2) a república como modo de governar (em critérios sociológicos). Isso significa que, mais do que uma forma de governo que se opõe a regimes hereditários, o republicanismo se consolida a partir de valores construídos socialmente. Antes de um modelo rígido, o republicanismo moderno aceitou a diversidade das sociedades e acatou as especificidades das condições sociais. Nessa trajetória, Maquiavel, Montesquieu e Madison se mostraram os principais pensadores do republicanismo mais do que da república. A genealogia republicana permite identificar a forma de governo e o modo de governar em parâmetros igualmente republicanos, pois, inspirado no exemplo da Dorotea de Calvino, da cidade republicana se pode falar de duas maneiras.

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[1] Após dissertar sobre a variação entre a forma de governo republicana e o principado, declinando, como com freqüência ocorre, em latinismo, escreve: “E esse é o ciclo segundo o qual todas as repúblicas se governaram e governam” (MAQUIAVEL, 2007a, p. 17; Discorsi, I, 2). [“E questo è il cerchio nel quale girando tutte le republiche si sono governate e si governano” (MACHAVELLI, 1997, p. 205)].

[2] “Mais ainda deve realizar uma república, que pode eleger não só dois, mas infinitos príncipes virtuosíssimos em sucessão, o que deve ocorrer sempre em toda república bem-ordenada” (MAQUIAVEL, 2007a, p. 79; Discorsi, I, 20). [“Il che tanto piú debba fare uma republica, avendo per il modo dello ellegere non solamente due successioni, ma infiniti principi virtuosissimi che sono l’uno dell’allro successori: la quale virtuosa successione fia sempre in ogni republica bene ordinata” (MACHIAVELLI, 1997, p. 251)].

[3] “As cidades, sobretudo as que não são bem-ordenadas e são administradas com o nome de república” (MAQUIAVEL, 2007b, p. 221, História de Florença, IV, 1). [“Le città, e quelle massimamente che non sono bene ordinate, le quali sotto nome di republica si amministrano” (MACHIAVELLI, 1997, p. 473)].

[4] Como é sabido, Maquiavel julgava Esparta uma cidade republicana, então escreve: “Esparta, como disse, era governada por um rei e por um pequeno senado” (MAQUIAVEL, 2007a, p. 28; Discorsi, I, 6). [“Sparta, come ho detto, era governata da uno Re e da uno stretto Senato (MACHIAVELLI, 1997, p. 214)].

[5] “Quanto àqueles que gostariam do governo mais largo que este, digo que se não se alarga de modo que se transforme em uma república bem-ordenada, tal largueza o faz se arruinar mais rápido” (MACHIAVELLI, 1997, p. 737; Discursus Florentinarum Rerum. Tradução nossa.). [“Quanto a quelli che vorrebbono il governo più largo di questo, dico che se non si allarga in modo che diventi una repubblica ben ordinata, tale larguezza è per farlo rovinare più presto” (MACHIAVELLI, 1997, p. 737)].

[6] “de tal forma que, como só tivesse cônsules e senado, aquela república vinha a ser mescla de duas qualidades das três acima citadas” (MAQUIAVEL, 2007a, p. 18-19; Discorsi, I, 2). [“essendo in quella republica i consoli e il senato, veniva solo a essere mista di due qualità delle tre soprascritte” (MACHIAVELLI, 1997, p. 206-207)].

[7] “e não se diminuiu de todo a autoridade dos optimates, para dá-la ao povo; mas, permanecendo mista, constitui-se uma república perfeita” (MAQUIAVEL, 2007a, p. 19; Discorsi, I, 2). [“né si diminuí l’autorità in tutto agli ottimati, per darla al popolo; ma rimanendo mista, fece una republica perfetta” (MACHIAVELLI, 1997, p. 207)].

[8] De fato, das variantes acima citadas, a única categoria a ser devidamente excluída é o emprego do latinismo no caso de república como equivalente de Estado.

[9] “Io voglio porre da parte il ragionare di quelle cittadi che hanno avuto il loro principio sottoposto a altrui; e parlerò di quelle che hanno avuto il principio lontano da ogni servitù esterna, ma si sono subito governate per loro arbitrio, o come republiche o come principato: le quali hanno avuto, come diversi principii, diverse leggi ed ordini” (MACHIAVELLI, 1997, p. 202). Este trecho deu base à interpretação de Leo Strauss sobre os Discorsi como livro dedicado às repúblicas e aos principados.

[10] “Di quante spezie sono le republiche, e di quale fu la republica romana” (MACHIAVELLI, 1997, p. 202)

[11] “Volendo, adunque, discorrere quali furono li ordini della città di Roma, e quali accidenti alla sua perfezione la condussero; dico come alcuni che hanno scritto delle republiche dicono essere in quelle uno de’ tre stati, chiamati da loro Principato, Ottimati, e Popolare, e come coloro che ordinano una città, debbono volgersi ad uno di questi, secondo pare loro più a propósito” (Machiavelli, 1997, p. 203)

[12] Isso acontece com os Discorsi, O Príncipe, Discursus Florentinarum Rerum, Relatório sobre as coisas da Alemanha feito a 17 de junho de 1508, Discurso sobre a maneira de prover-se de dinheiro, Breve descrição do governo da cidade de Luca. Outros textos, como História de Florença e A Arte da Guerra tratam do tema no seu interior de modo breve e passageiro. Os escritos literários praticamente não abordam a questão das formas de governo.

[13] “Tutti gli stati, tutti e’ dominii che hanno avuto e hanno imperio sopra gli uomini, sono stati e sono o republiche o principati” (MACHIAVELLI, 1997, p. 119; Principe, I).

[14] “La cagione perché Firenze ha sempre variato spesso nei suoi governi, è stata perché in quella non è stato mai né republica né principato che abbi avute le debite qualità sue: perché non si può chiamar quel principato stabile, dove le cose si fanno secondo che vuole uno e si deliberano con il consenso di molti; né si può credere quella republica esser per durare, dove non si satisfà a quelli umori, a’ quali non si satisfacendo, le republiche rovinano” (MACHIAVELLI, 1997, p. 733).

[15] “Alcuni altri, e, secondo la opinione di molti, più savi, hanno opinione che siano di sei ragioni governi: delli quali tre ne siano pessimi tre altri siano buoni in loro medesimi, ma sì facili a corrompersi, che vengono ancora essi a essere perniziosi. Quelli che sono buoni, sono e’ soprascritti tre: quelli che sono rei, sono tre altri, i quali da questi tre dipendano; e ciascuno d’essi è in modo simile a quello che gli è propinquo, che facilmente saltano dall’uno all’altro: perché il Principato facilmente diventa tirannico; gli Ottimati con facilità diventano stato di pochi; il Popolare sanza difficultà in licenzioso si converte” (MACHIAVELLI, 1997, p. 203).

[16] “A diferença entre elas [as formas de governo] já ficará evidenciada se levarmos em conta que esta classificação não foi baseada no número dos governantes, segundo o método de Aristóteles” (DURKHEIM, 2003, p. 279).

[17] “Pour en découvrir la nature, il suffit de l’idée qu’en ont les homes les moins instruits. Je suppose trios definitions, ou plutôt trois faits: l’un que ‘le governement républicain est celui où le peuple en corps, ou seulement une partie du peuple, a la souveraine puissance; lê monarchique, celui ou um seul gouverne, mais par des lois fixes et établies; au lie que, dans le despotique, un suel, sans loi et sans règle, entraîne tout par sa volonté et par ses caprices’” (MONTESQUIEU, 1949, p. 239).

[18] “A honra movimenta todas as partes do corpo político; liga-as por sua própria ação, fazendo com que cada uma caminhe para o bem comum acreditando ir em direção de seus interesses particulares” (EL p. 53)

[19] “Lorsque, dans la république, le people en corps a la souveraine puissance est entre les mains d’une partied u people, cela s’appelle une Aristocratie. Le people, dans la democratie, est, à certains égards, le monarque; à certains autres, il est le sujet” (MONTESQUIEU, 1949, p. 239).

[20] “Dans une république, les présents sont une chose odieuse, parce que la vertu n’en a pas besoin. Dans une monarchie, l’honneur est un motif plus fort que les présents. Mais, dans l’État despotique, où il n’y a ni honneur ni vertu, on ne peut être déterminé à agir que par l’espérance des commodités de la vie” (MONTESQUIEU, 1949, p. 301).

[21] “Mais, dans une république, où la vertu règne, motif qui se suffit à lui-même et qui exclut tous les autres, l’État ne récompense que par des témoignages de cette vertu” (MONTESQUIEU, 1949, p. 302).

[22] “Les lois doivent-elles forcer un citoyen à accepter les emplois publics? Je dis qu’elles le doivent dans le gouvernement républicain, et non pas dans le monarchique. Dans le premier, les magistratures sont des témoignages de vertu, des dépôts que la patrie confie à un citoyen, qui ne doit vivre, agir et penser que pour elle; il ne peut donc pas les refuser” (MONTESQUIEU, 1949, p. 303).

[23] “Le feu roi de Sardaigne punissait ceux qui refusaient les dignités et les emplois de son État; il suivait, sans le savoir, des idées républicaines. Sa manière de gouver­ner, d’ailleurs, prouve assez que ce n’était pas là son intention” (MONTESQUIEU, 1949, p. 303).

[24] “Voyez, dans une nation où la république se cache sous la forme de la monarchie” (MONTESQUIEU, 1949, p. 304).

[25] “À Rome, il était permis à un citoyen d’en accuser un autre. Cela était établi selon l’esprit de la république, où chaque citoyen doit avoir pour le bien public un zèle sans bornes, où chaque citoyen est censé tenir tous les droits de la patrie dans ses mains. On suivit, sous les empereurs, les maximes de la république; et d’abord on vit paraître un genre d’hommes funestes, une troupe de délateurs” (MONTESQUIEU, 1949, p. 317).

[26] “Ce fut dans l’esprit de la république, ou dans quelques cas particuliers, qu’au milieu du XIIIe siècle on fit en Aragon des lois somptuaires” (MONTESQUIEU, 1949, p. 337).

[27]Império, enquanto categoria isolada, não faz parte da classificação das formas de governo. Basta-nos, para nosso estudo, aceitar que não é república, pelo exemplo da história de Roma.

[28] “Je ferai voir dans la suite que la Chine, à cet égard, est dans le cas d’une république ou d’une monarquie” (MONTESQUIEU, 1949, p. 318).

[29] “Uma das coisas que mais me excitaram a curiosidade desde que cheguei à Europa, foi a história e a origem das repúblicas. Sabes que a mor parte dos asiáticos nem sequer têm idéia deste governo, e que não lhes pôde sugerir ainda a sua imaginação que haja na terra outro que não seja despótico” (MONTESQUIEU, 1965, p. 230; Cartas Persas, CXXXI). [“Une des choses qui a le plus exercé ma curiosité en arrivant en Europe, c’est l’histoire et l’origine des républiques. Tu sais que la plupart des Asiatiques n’ont pas seulement d’idée de cette sorte de gouvernement, et que l’imagination ne les a pas servis jusqu’à leur faire comprendre qu’il puisse y en avoir sur la terre d’autre que le despotique” (MONTESQUIEU, 1949, p. 327)].

[30] “A China é, portanto, um Estado despótico, cujo princípio é o temor” (MONTESQUIEU, 1973, p. 131; EL, IX, 21). [“La Chine est donc un État despotique, dont le principe est la crainte” (MONTESQUIEU, 1949, p. 368)].

[31] “Those who conted for a simple Democracy, or a pure republic, actuated by the sense of the majority, and operating within narrow limits, assume or suppose a case which is altogether fictitious. They found their reasoning on the idea, that the people composing the Society, enjoy not only an ecquality of political rights; but that they have all precisely the same interests, and the same feelings in every respect” (MADISON, 1999, p. 149-150).

[32] “A republic involves the ideas of popular rights. A representative republic chuses the winsdon, of which hereditary aristocracy has the chance; whilist it excludes the oppression of that form. And a confederated republic attains the force of monarchy, whilist is equally avoids the ignorance of a good prince, and the oppression of a bad one. To secure all the advantages of such a system, every good citizen will be at once a centinel over the rights of the people; over the autorities of the confederal government; and over both the rights and the autorities of the intermediate governments” (MADISON, 1999, p. 502).

[33] “There are two methods of curing the mischiefs of faction: the one, by removing its causes; the other, by controlling its efects” (MADISON, 1999, p. 161).

[34] “It is in vain to say, that enlightened statesmen will be able to adjust these chashing interests, and renther them all subservient to the public good. […] The inference to which we are brought, is, that the causes of faction cannot be removed; and that relif is only to be sought in the means of controlling its effects” (Madison, 1999, p.163).

[35] “When a majotiry is included in a faction, the of popular government on the other hand enables it to sacrifice to its ruling passion or interet, both the public good and the rights of the other citizens” (Madison, 1999, p.163).

[36] “To secure the public good, and private rights against the danger of such a faction, and at the same time to preserve the spirit and the form of popular government, is then the great object to which our enquiries are directed” (Madison, 1999, p. 163).

[37] “A republic, by which I mean a government in which the scheme of representation takes place, opens a different prospect, and promises the cure for which we are seeking” (Madison, 1999, p.164).

[38] “Hence, it clearly appears, that the same advantage which a republic has over a democracy, in controlling the effects of faction, is enjoyed by a large over a small republic, — is enjoyed by the Union over the States composing it” (MADISON, 1999, p. 166).

[39] “In the extent and proper structure of the Union, therefore, we behold a republican remedy for the diseases most incident to republican government” (MADISON, 1999, p. 167).

[40] “They must have reflected, that in all great changes of established governments, forms ought to give way to substance” (MADISON, 1999, p. 223-224).

[41] “The more intimate the nature of such a union may be, the greater interest have the members in the political institutions of each other; and the greater right to insist that the forms of government under which the compact was entered into should be substantially maintained” (MADISON, 1999, p. 246).