Ao redor das reflexões de Guerreiro Ramos e Mangabeira Unger sobre partidos políticos, por Márcio Nuno Rabat

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Márcio Nuno Rabat mestre e doutorando em Ciência Política pelo PPGCP da UFF. Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados na área de Ciência Política.

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Resumo

O artigo vale-se de reflexões de Alberto Guerreiro Ramos e de Roberto Mangabeira Unger para discutir aspectos da dinâmica partidária brasileira que se vêm manifestando desde 1945. Sugere ainda possíveis aproximações entre as perspectivas políticas e teóricas dos dois autores.

Palavras-Chave

Partidos Políticos, Guerreiro Ramos, Mangabeira Unger, Sociologia Política

Abstract

This article uses thoughts from Alberto Guerreiro Ramos and Roberto Mangabeira Unger to discuss aspects of the dynamics of the Brazilian Party System since 1945. The article also suggests possible approximations between both authors’ political and theoretical perspectives.

Key Words

Political Parties, Guerreiro Ramos, Mangabeira Unger, Political Sociology _______________________________________________

Introdução: por que Guerreiro Ramos e Mangabeira Unger?

As décadas de 1930 e 1940 presenciaram uma ruptura em relação à história eleitoral e partidária anterior do Brasil. Os partidos políticos e os sistemas de partidos que desde então se sucederam, particularmente desde 1945, admitem ser tratados como manifestações distintas de uma situação em alguma medida semelhante. A discussão sobre o presente e o futuro das instituições brasileiras de representação política ganha com a recapitulação dessa história.

Este artigo se insere justamente na linha das pesquisas, não tão abundantes, que acentuam a utilidade, quase necessidade, de se pensar as descontinuidades da história partidária brasileira tendo por referência a continuidade a elas subjacente desde meados do século passado. A análise não se lança, contudo, diretamente sobre os acontecimentos históricos, até porque não poderiam ser suficientemente explorados aqui. A aproximação ao tema se dá a partir do diálogo artificialmente produzido entre dois autores que, em distintos momentos, refletiram sobre os partidos políticos e seu papel. A qualidade da reflexão desses autores justifica a aposta nos resultados esclarecedores do diálogo proposto, seja em termos de elaboração teórica, seja em termos de apreensão indireta dos próprios fatos relevantes do período analisado.

As reflexões desenvolvidas por Alberto Guerreiro Ramos nos últimos anos da década de 1950 e nos primeiros anos da década seguinte contribuem decisivamente para a compreensão da experiência eleitoral e partidária que se estendeu da queda da primeira república, em 1930, ao golpe de estado de 1964. Elas revelam, além disso, força suficiente para lançar luz sobre o que desde então tem acontecido com o quadro partidário brasileiro. Ao articulá-las com as reflexões, bem mais recentes, de Roberto Mangabeira Unger, o analista adquire instrumentos para investigar um período relativamente extenso da história política brasileira, para avaliar fatos e ideias que se manifestaram ao longo desse período e para discutir, fundamentadamente, o que se pode e se deve esperar da instituição partidária no futuro.

Registre-se que as reflexões de Guerreiro Ramos e de Mangabeira Unger a respeito das instituições de representação política não constituem, nem em um caso, nem no outro, senão uma parcela de empreendimentos teóricos bem mais amplos e densos, de que se destaca a investigação sobre as próprias condições de exercício da reflexão teórica de sentido emancipador. Essa é mais uma razão para colocá-las lado a lado. Os dois autores parecem unidos, em uma palavra, pela preocupação com o poder e a liberdade do pensamento como elemento fundante da liberdade tout court.

É provável que as elucubrações de Alberto Guerreiro Ramos nessa esfera tenham partido da indagação sobre as condições de exercício da reflexão e da prática teóricas em um país periférico. Seu pensamento não ficou preso, contudo, ao que essa questão tem de específico, até porque ela não se solucionaria sem um salto para o questionamento das condições da teoria em geral, especialmente da teoria sociológica. Ainda assim, ganhou preeminência, no debate público de meados do século passado, a necessidade, por ele acentuada, de que o investigador, para bem realizar sua tarefa, se imbua da perspectiva particular dada pela situação (nacional) concreta em que está inserido. A conjugação de vários fatores obrigou-o, então, a enfrentar a alegação de que defenderia o predomínio de padrões inferiores de investigação sociológica em contextos sociais em que a teoria e o instrumental de pesquisa estivessem menos desenvolvidos.

Não ficou claro para muitos de seus críticos que a “redução sociológica” proposta por Guerreiro Ramos não era um “método para se pensar na periferia”, mas uma proposta dirigida ao pensar sociológico em geral. A redução, dizia ele, “se esforça por depurar os objetos de elementos que dificultem a percepção exaustiva e radical de seu significado” (RAMOS, 1996, p. 71). Ela se manifesta, por exemplo, na impossibilidade de pura e simplesmente se reproduzir um procedimento de investigação desenvolvido em determinada situação como se ele fosse, por assim dizer, um procedimento sociológico em si, desconectado de qualquer contexto. O encaminhamento correto seria, na verdade, o de apreender exaustiva e radicalmente o núcleo significativo do procedimento de investigação em seu contexto original e incorporá-lo a um habitus de pensamento e pesquisa que possa valer-se dele nos termos que a circunstância concretamente solicite. O mesmo que se diz dos procedimentos se diria, aliás, das formulações teóricas.

De início, é certo, a redução foi aplicada principalmente “como método de assimilação crítica da produção sociológica estrangeira” (RAMOS, 1996, p. 11). Acentuou-se, com isso, a perspectiva nacional, que daria sentido concreto ao uso do pensamento sociológico universal no Brasil. No entanto, no próprio texto original do livro estava claro, e foi repisado exaustivamente no prefácio à segunda edição, ser de todo possível conciliar “o comprometimento do cientista com seu contexto histórico” e “o critério da universalidade”, sem o qual não haveria ciência. A mediação é feita, na teoria de Guerreiro Ramos, pela “noção de comunidade humana universal” (RAMOS, 1996, p. 15).

Embora o aprofundamento dessas questões passe ao largo do escopo deste trabalho, cabe assinalar que Guerreiro Ramos propunha duas outras direções em que a redução sociológica se desenvolveria: 1) “como … adestramento cultural do indivíduo, que o habilita a transcender, no limite do possível, os condicionamentos circunstanciais que conspiram contra sua expressão livre e autônoma”; e 2) “como superação da sociologia nos termos institucionais e universitários em que se encontra” (RAMOS, 1996, p. 11). Sem pretender extrair dessas formulações toda uma tese a respeito da possível articulação entre o pensamento de Guerreiro Ramos e o de Mangabeira Unger nessa área, é de se assinalar que a mera leitura delas, mesmo nesse formato tão resumido, já faz suspeitar, para quem conheça a obra do segundo, da existência de alguns pontos de aproximação que mereceriam pesquisa.

Assim, por exemplo, se poderia investigar se o vanguardismo experimentalista referido por Mangabeira Unger não guarda algum paralelismo com a sociologia em hábito de Guerreiro Ramos. As vanguardas experimentalistas existem efetivamente, hoje, “nas melhores empresas e escolas”, espaços por excelência das “práticas cooperativas amigáveis à inovação”. Mas não é esse o modo de pensar e produzir disponível para a maioria das pessoas, que acaba condenada a estudar e trabalhar de acordo com procedimentos padronizados e impostos. Ora, a sociologia em hábito também existe, mas a maior parte da pesquisa dita sociológica se limita à reprodução de procedimentos padronizados e impostos. A superação da distância entre a vanguarda e a retaguarda está no horizonte de expectativa dos dois autores. Em ambos os casos, de uma perspectiva radicalmente democrática. Sirva de ilustração um parágrafo, escrito por Guerreiro Ramos, de ressonância mangabeiriana, se não também no conteúdo, pelo menos no tom:

a redução sociológica “não se destina tão só a habilitar a transposição de conhecimentos de um contexto social para outro, de modo crítico, mas também caracteriza uma modalidade superior da existência humana, a existência culta e transcendente. A sociologia não é especialização, ofício profissional, senão na fase da evolução histórica em que nos encontramos, em que ainda perduram as barreiras sociais que vedam o acesso da maioria dos indivíduos ao saber. A vocação da sociologia é resgatar o homem ao homem, permitir-lhe ingressar num plano de existência autoconsciente. É, no mais autêntico sentido da palavra, tornar-se um saber de salvação” (RAMOS, 1996, p. 10).

Não será demais lembrar, por fim, que tanto Guerreiro Ramos como Mangabeira Unger participaram de processos eleitorais e partidários como candidatos e como formuladores de programas de partidos políticos. Nos dois casos, aliás, a liderança política a que mais intensamente se ligaram foi provavelmente a de Leonel Brizola, primeiro no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), antes da ditadura de 1964 (Guerreiro Ramos), depois no Partido Democrático Trabalhista (PDT), seu herdeiro mais direto no pós-ditadura (Mangabeira Unger). A proposta de fazer dialogar os dois pensadores não deixa, pois, de apontar para a eventual existência de algum tipo de continuidade dentro da tradição trabalhista brasileira, embora não explore essa possibilidade a fundo.

Guerreiro Ramos e os partidos políticos

As reflexões desenvolvidas por Alberto Guerreiro Ramos, por volta de 1960, sobre os mais diversos aspectos da sociedade brasileira da época, assentavam em uma periodização da história política do país redutível a um esquema, na aparência bastante simples, mas de grande poder explicativo. O esquema partia da constatação de que “a sociedade política foi durante muito tempo no Brasil parte singularmente restrita da população” (RAMOS, 1961, p. 23). Ora, qualquer sociedade política incluiria, de sua perspectiva, uma minoria que exerce o poder, os que a apóiam e “os que se lhe opõem embora a reconheçam e consintam no seu mandato”. Logo, para ele, a maior parte da população brasileira, ao longo de muitíssimos anos, não se encontrava sequer nesse terceiro grupo. A minoria dirigente, por sua vez, era ainda mais restrita. Em linhas gerais, “o latifúndio e o alto comércio governaram o país desde 1822 até 1930” (RAMOS, 1961, p. 24).

A ampliação da sociedade política no Brasil teria tido o ano de 1930 como marco decisivo. Os novos grupos que então nela entraram vinham batendo à porta desde a segunda metade do segundo reinado. Eles compunham o que Guerreiro Ramos chamava de classe média. Suas reivindicações, sustentava ele, encontraram eco no Manifesto do Partido Republicano, de 1870 (RAMOS, 1961, p. 24), na fundação da Sociedade Positivista, em 1878, e, principalmente, nos primeiros governos republicanos, de Deodoro da Fonseca e de Floriano Peixoto (1889-1894) (RAMOS, 1961, p. 26). Mas não integraram solidamente o núcleo político do país antes de 1930, o “último elo da revolução da classe média que se iniciara mais ou menos por volta de 1910, com a campanha civilista de Rui Barbosa” (RAMOS, 1961, p. 28), tendo passado pelas chamadas “salvações”, no governo Hermes da Fonseca, pelo ativismo político dos tenentes e pela coluna Prestes. O novo pacto político se consolidou definitivamente com o Estado Novo. Jamais em nossa história, afirmou Guerreiro Ramos, “a classe média teve tão larga participação no poder” como na ditadura implantada em 1937 (RAMOS, 1961, p. 30).

Superado o Estado Novo, a ampliação da sociedade política tomou novo impulso. O povo, que em 1930 fora contido na periferia do poder, demonstrava enfim “que não é mais aquela ficção jurídica de épocas decorridas. É uma realidade sociológica”. Começava a impor-se, nas novas circunstâncias, uma mudança profunda no modo de ser e no papel desempenhado pelos partidos políticos. O resumo é do próprio Guerreiro Ramos. “Em 1945, e mais nitidamente em 1950, com o retorno de Getúlio Vargas ao poder, a despeito de ter sido candidato de oposição ao Governo, findara-se o período das simples reformas políticas, agora substituído pelo das reformas sociais, uma vez que o povo, nas novas condições, deixara de ser longuínquo espectador das lides partidárias” (RAMOS, 1961, p. 31).

A periodização da história política brasileira se conecta, na obra de Guerreiro Ramos, com a identificação de distintas formas de atuar politicamente. A distinção entre esses tipos de atuação política é de suma importância para o argumento desenvolvido neste artigo. Antes de deles tratar, no entanto, é preciso trazer para primeiro plano um elemento que esteve até aqui subentendido na exposição. Quando Guerreiro Ramos descreve processos políticos de média ou longa duração, ele o faz em articulação com os desenvolvimentos sociais e econômicos que lhes seriam concomitantes ou, mais incisivamente, subjacentes. É assim, por exemplo, que coube “à classe média [2] a iniciativa e o comando de nossas reivindicações mais avançadas” precisamente “enquanto não se constituiu uma burguesia industrial e um proletariado urbano” entre nós (RAMOS, 1961, p. 24). É assim, também, que os processos de industrialização e urbanização estarão por trás de boa parte de suas análises políticas do período.

A identificação de distintas formas de fazer política não terá substrato diferente. Ainda que os diversos tipos de política por vezes se apresentem simultaneamente, eles “tendem a ser sucessivos” (RAMOS, 1961, p. 49) e a guardar relação com o modo predominante de funcionamento da economia e da sociedade em cada momento. Entre os cinco tipos de política tendencialmente sucessivos propostos por Guerreiro Ramos, vale a pena afastar vigorosamente os dois primeiros (política de clã e política de oligarquia) dos dois últimos (política de grupos de pressão e política ideológica), deixando ao terceiro (política populista), fundamentalmente, o papel de via de passagem entre aqueles dois extremos.

Tanto a política de clã como a política de oligarquia se definiriam pela inexistência ou insuficiência da diferenciação de uma esfera pública na sociedade. A política de clã caracteriza uma situação propriamente pré-política ou protopolítica. “A autoridade do senhor territorial é onicompreensiva, seu poder privado não se distingue do poder público” (RAMOS, 1961, p. 49). Já a política de oligarquia, “embora reconheça, do ponto-de-vista jurídico abstrato, a coisa pública, utiliza-a, na prática, como coisa privada” (RAMOS, 1961, p. 51). Ela se afirmou pela necessidade de reunir os clãs rurais em agrupamentos maiores, as oligarquias, que disputariam o poder nacional após a autonomização do país frente à metrópole portuguesa. A tarefa política fundamental do Brasil recém-independente foi, na fórmula pitoresca de Oliveira Viana, adotada por Guerreiro Ramos, a de “meter os clãs em partidos nacionais”. A situação não se teria alterado significativamente na primeira república.

A entrada da classe média e principalmente do povo na esfera política é que teria mudado radicalmente a situação. “É exatamente onde começa a surgir ‘espírito público esclarecido’ e ‘a opinião se faz respeitar’ [ou seja, “nas capitais e nos centros populosos”, fórmula de Tavares de Lira, também adotada por Guerreiro Ramos] que aparecem as condições para a política populista. O populismo não apela para a consaguinidade, o parentesco em suas várias formas, a dependência residencial, a lealdade. Apela para uma vaga solidariedade social. (…) O vínculo que liga aqui os liderados aos chefes é a confiança pessoal e não a fidelidade clânica. O líder populista é sempre um homem que fez algo pelas categorias sociais de seus adeptos e que, por isso, as sensibiliza politicamente” (RAMOS, 1961, p. 55).

A política populista encontrava correspondência, naturalmente, na situação socioeconômica subjacente. “O populismo é uma ideologia pequeno-burguesa que polariza a massa obreira nos períodos iniciais da industrialização, em que as diferentes classes ainda não se configuraram e apenas despontam, de maneira rudimentar. Em tais condições, a debilidade relativa do incipiente sistema produtivo não permite que as categorias dos trabalhadores tomem parte nas lutas políticas em obediência a programas próprios ou diferenciados. Ao contrário, justapõem-se num agregado sincrético, que pode ser considerado como o povo em estado embrionário” (RAMOS, 1961, p. 56).

Guerreiro Ramos supunha que, na época em que escrevia, as condições para a superação do populismo estavam dadas. Vislumbrava, assim, a predominância crescente da política de grupos de pressão e da política ideológica. Da leitura atenta das páginas que, no livro Crise do Poder no Brasil, explicam esses dois tipos de política, parece poder concluir-se que, apesar das ambiguidades do autor, mais vale não os tratar como formas tendencialmente sucessivas de atuação política, mas como alternativas potencialmente presentes, em simultâneo, nas sociedades industriais. “O público de uma sociedade industrial moderna é extremamente heterogêneo e dividido e, por isso, o interesse geral, a menos que não passe de abstração, só pode ser visto na perspectiva de cada situação particular em que se encontra o indivíduo. As pressões e os grupos que em razão delas se formam são inevitáveis” (RAMOS, 1961, p. 58).

É na política ideológica, no entanto, que se manifesta a maturidade de uma sociedade moderna. Não que os grupos de pressão sejam, como as oligarquias, “donos” do poder. Ao contrário, eles “reconhecem o fundamento público do poder” e, por isso, “a ele se dirigem como postulantes” (RAMOS, 1961, p. 57). Respondem, nesse sentido, a ditames profundos da modernidade. Mas, justamente por sua fragmentação, eles não são capazes de transmitir ao poder público direção definida.

Se os grupos de pressão não encontrarem resistência organizada, prevalecerá na sociedade a oscilação entre interesses pontuais distintos ou, pior, prevalecerão sistematicamente os interesses de “certos círculos do mundo econômico e financeiro [que] mais poderosamente influenciam as decisões dos poderes públicos” (RAMOS, 1961, p. 59). Somente a política ideológica, exercida do ponto de vista sistemático de classes ou agrupamentos sociais de grande envergadura, pode superar essa situação. “Cada grupamento social é compelido a procurar influenciar o aparelho estatal e mesmo a controlá-lo, proclamando a racionalidade de suas pretensões, a vantagem coletiva do prevalecimento de seu ideário no exercício do poder” (RAMOS, 1961, p. 62). Em outras palavras, a política, para ser ideológica, deve ser exercitada ao redor de programas abrangentes, dirigidos a toda a coletividade.

Ora, os partidos políticos são os veículos por excelência da política ideológica. Infelizmente, contudo, eles se vinham mostrando, na visão de Guerreiro Ramos, incapazes de levar adiante a tarefa que lhes cabia naquela quadra histórica. “A crise dos partidos em nossos dias, afirmava ele, resulta de que ainda continuam em grande escala viciados pelas superadas práticas oligárquicas e populistas, sem se darem conta da mudança qualitativa ocorrida nos últimos anos na psicologia coletiva do eleitorado [3]. Este se orienta cada vez mais por critérios ideológicos e, assim, perdeu o temor reverencial pelos grandes nomes que, em outros tempos, mantinham-se indefinidamente nas posições de mando, graças à docilidade de eleitores cativos” (RAMOS, 1961, p. 60).

As eleições de 3 de outubro de 1960 teriam revelado claramente a crise partidária em curso. Tanto “o Marechal [Henrique Teixeira] Lott foi candidato perfilhado a contragosto pelos altos escalões do PSD e do PTB, tendo sido o seu lançamento feito originariamente por entidades e grupos marginais nas vigentes organizações partidárias”, como, “na própria UDN, surgiram fortes resistências ao Sr. Jânio Quadros, considerado estranho em suas fileiras”. Em resumo, “os nossos três grandes partidos já não controlam mais a situação política do País” (RAMOS, 1961, p. 36). Estavam dadas, pois, as condições para uma profunda reforma política, que colocasse as instituições representativas à altura das necessidades do momento histórico.

O curioso é que, chegando a esse ponto, Guerreiro Ramos não cogite de reformas nas instâncias propriamente estatais da representação política. A questão parece fundamentalmente resolvida com “o voto secreto, a representação proporcional, o sufrágio feminino, o regime de partidos, a Justiça Eleitoral e um sistema democrático de apuração dos resultados dos pleitos” (RAMOS, 1961, p. 75). O que lhe interessa é “o enquadramento dos contingentes eleitorais nos diversos partidos, de acordo com suas respectivas características sociais” (RAMOS, 1961, p. 78). Afinal, a “indiferenciação partidária é incompatível com a etapa de uma sociedade constituída de partes heterogêneas, de classes ou categorias sociais dotadas de traços idiossincráticos, de uma sociedade que superou o amorfismo de suas primeiras fases de evolução” (RAMOS, 1961, p. 78).

Os partidos deveriam superar internamente os obstáculos à emergência da representação política de natureza ideológica. De certa maneira, tratava-se de um processo em curso. “É nesta ordem de ideias que se poderá compreender que nada tem de fortuito o surgimento de grupos renovadores no interior de nossos três grandes partidos, o PTB, o PSD, a UDN. (…) A luta interna nos grandes partidos está declarada, é irreversível, pois atende à necessidade fundamental de organização, não apenas daqueles institutos partidários, mas do próprio processo brasileiro” (RAMOS, 1961, p. 94). Como corolário dessa linha de raciocínio, a discussão das necessidades políticas brasileiras vai convergir para o problema da organização interna dos partidos e da formação de quadros partidários. Seria no “trabalho de base com o objetivo de nuclear em todo o País (…) efetivas forças populares” (RAMOS, 1961, p. 92) que se decidiria, por exemplo, o futuro do PTB e de João Goulart, seu principal líder, ainda na vice-presidência da República quando tudo isso se escreveu.

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Não é demais registrar que a linha de investigação perseguida por Alberto Guerreiro Ramos em sua busca de uma periodização da história política brasileira que iluminasse o desenvolvimento global do país não desapareceu completamente no período posterior ao golpe de estado de 1964, embora o investigador tenha tido seu nome praticamente suprimido dos meios sociológicos oficiais [4]. O foco no processo de ampliação da sociedade política, por exemplo, esteve no centro das reflexões de Wanderley Guilherme dos Santos em um sem número de publicações. Trata-se de autor, diga-se de passagem, que explicitamente reconheceu a importância das concepções de Guerreiro Ramos, em mais de uma área, para o encaminhamento de suas pesquisas. Ainda assim, vista do retrovisor, a década de 60 parecia-lhe fundamentalmente inserida no sistema oligárquico que, no calor dos acontecimentos, Guerreiro Ramos acreditava em vias de superação.

Em publicação de 1994, por exemplo, Wanderley Guilherme reconhecia que “foram justamente o alistamento eleitoral obrigatório e os partidos, que buscavam nacionalizar-se entre 45 e 62, ao contrário dos partidos estritamente estaduais do sistema pré-30, os principais responsáveis pela escala do processo de conversão participativa” (SANTOS, p. 56). Não deixava de observar, no entanto, que o processo não se completara. “Em meio a importantes processos de urbanização e de conversão de cidadãos em eleitores, a oligarquia rural e seus aliados urbanos (…) foi hábil e violenta o suficiente para conter aqueles processos nas fronteiras de caricatamente minúscula competição partidária e eleitoral. Às eleições de 1962, todas as regiões do país apresentaram-se oligarquicamente organizadas, partidária e eleitoralmente, com baixíssimas taxas de competitividade” (SANTOS, p. 61). Para completar o quadro, o “golpe de 1964 interrompeu a competição crescente a nível estadual e praticamente extinguiu-a nacionalmente” (SANTOS, p. 63).

Somente “a abertura política dos anos oitenta, associada à extensa transformação socioeconômica que ocorreu entrementes, explodiram com os limites da oligarquia e, pela 1ª vez na história republicana, generalizaram os dois processos democráticos fundamentais: o processo de competição partidária e a produção da competição eleitoral” (SANTOS, p. 64). Para tanto, muito contribuiu o fato de que a expansão do eleitorado, não obstante as eleições reprimidas, “sequer teve sua velocidade amortecida” durante o regime ditatorial.

O pequeno livro de que foram tiradas as passagens transcritas nos dois últimos parágrafos, não por acaso intitulado Regresso: máscaras institucionais do liberalismo oligárquico, é particularmente interessante para nós porque ele constitui um ataque frontal às propostas de reforma política em evidência nas décadas de 80 e 90, cujo sentido, acentue-se, não desapareceu completamente nas propostas agora em voga. Revisões, reformas e legislação foram, nas palavras do autor, “sugeridas a título de dotar nosso sistema político daqueles atributos de que seria manco: transparência, eticidade, representatividade e eficácia. Na realidade, porém, a derradeira estação deste atentado institucional seria, ou será, o retorno ao clube oligárquico da competição partidário-eleitoral minimalista” (SANTOS, p. 1).

Mangabeira Unger e os partidos políticos

As expectativas de Roberto Mangabeira Unger em relação aos efeitos democratizantes da ampliação do sufrágio e da liberdade de organização partidária parecem menos substanciosas do que as de Guerreiro Ramos trinta ou quarenta anos antes. Talvez se possa traduzir o diagnóstico do primeiro nos termos do segundo com a afirmação de que a política dos grupos de pressão se impôs à política ideológica e impediu a formulação, discussão e implantação de programas políticos democráticos de grande envergadura. No entanto, embora haja provavelmente alguma parcela de acerto nessa tradução (que, aliás, emergirá mais uma vez adiante), ela não basta para retratar todo o desconforto de Mangabeira Unger com a insuficiência das instituições representativas atualmente vigentes como veículos de democratização das relações sociais.

O que se observa, diz ele, de uma ou outra maneira, em inúmeros trechos de sua obra, é que “práticas e estruturas hostis à mobilização política popular sucederam, no desenvolvimento da política moderna, às qualificações exigidas para o sufrágio e ao recurso a vários níveis intermediários de representação popular, mecanismos destinados pelo liberalismo protodemocrático do começo do século XIX a refrear a agitação popular e tornar a propriedade segura. As estruturas hostis à mobilização que substituíram esses mecanismos protodemocráticos asseguraram que, contrariamente às expectativas de radicais e conservadores, o sufrágio universal se provaria compatível com hierarquias de classe” [5] (UNGER, 2004, p. 28). Entre os elementos que colaboraram para “domesticar o voto”, encontram-se “as consequências desmobilizadoras da nova forma de organização da política partidária de massa” (UNGER, 1999, p. 172).

Esse tipo de avaliação não leva Mangabeira Unger a desqualificar o sufrágio universal ou os partidos políticos como elementos relevantes da rearticulação institucional que resultará do experimentalismo democrático por ele proposto. Na verdade, é comum em sua obra a defesa da ampliação do número de situações em que o “engajamento do eleitorado universal” (UNGER, 2004, p. 28) venha resolver, direta e rapidamente, impasses que surjam dentro do funcionamento rotineiro das instituições estatais, seja para decidir sobre o conteúdo de políticas públicas específicas, seja para arbitrar disputas entre distintas agências do aparato de representação política. Contudo, como nosso interesse principal não recai sobre o sufrágio, mas sobre os partidos políticos, é do que Mangabeira Unger deles diz que trataremos daqui em diante. Tenha-se em conta, mesmo assim, que, dado o entrelaçamento dos dois temas, o que se diz sobre um revela em alguma medida o que se diria sobre o outro.

Muitos dos críticos das instituições políticas contemporâneas consideram os partidos políticos resíduos inúteis ou perniciosos de um tempo que passou. Sendo assim, o próprio radicalismo, já esboçado, da crítica de Mangabeira Unger à institucionalidade vigente induz a investigar, com um pouco mais de cautela, primeiro, se ele realmente sustenta a existência de papel significativo para os partidos políticos entre as instituições democráticas que quer ver construídas, segundo, como se justifica esse papel no quadro mais amplo de suas indagações e propostas. A questão será enfrentada tendo em conta a história particular do Brasil e o roteiro geral da renovação das instituições políticas no mundo.

Em entrevistas do pensador, datadas do século 21, encontram-se referências esparsas ao problema dos partidos políticos no Brasil contemporâneo. Elas mostram consciência de que o golpe de estado de 1964 enterrou o processo eventualmente em curso de renovação e consolidação do sistema partidário, junto, aliás, com as esperanças que Guerreiro Ramos nele depositava. É assim que, em 2008, Mangabeira Unger reconheceu que “nosso sistema político-partidário jamais se recuperou do trauma do regime militar”. Um dos resultados seria que “sobram partidos e faltam alternativas” (TEIXEIRA, p. 49). Em linha algo semelhante, dissera, em 2001: “Não temos partidos políticos. Só temos um, o PT, que é ao mesmo tempo organizado e nacional. Mas não temos uma vida de partidos políticos” (TEIXEIRA, p. 116). Repare-se que se tratava de uma queixa, de um diagnóstico objetivo, mas indesejado, estimulado possivelmente pela desagregação e aparente incoerência que o sistema partidário brasileiro vinha revelando desde a década de 90 do século passado.

Em análises feitas na década de 80, no entanto, as perspectivas pareciam mais otimistas. O livro A Alternativa Transformadora, em que alguns textos daquela época foram compilados, não deixa dúvidas sobre a existência, na concepção do autor, de um papel para os partidos no Brasil, isso desde o título de um dos capítulos: É Preciso Partido. Interessa-nos, em especial, sua análise dos programas que as agremiações partidárias pioneiras deram a conhecimento público quando mal se começava a vislumbrar a superação do bipartidarismo imposto de 1965 a 1979.

Opondo-se à tradicional simplificação dos analistas de jornais, que, em velha estratégia de deslegitimação da atividade política, acentuavam as semelhanças entre todos os programas partidários, Mangabeira Unger, em 1980, insistia em que tal diagnóstico captava apenas uma meia-verdade. Bem vistas as coisas, haveria pelo menos três pontos significativos a separar os programas em dois grupos, ficando o PMDB, o PT e o PDT em um, enquanto o PDS e o PP ficavam no outro. Eram eles:

a) Os textos do PMDB, do PT e do PDT dão uma importância central à prática política da mobilização popular e democrática. (…) A constatação é que não haverá redistribuição real do poder e da riqueza no Brasil – e, portanto, não haverá abolição da miséria nem democracia segura – sem que haja uma contínua pressão das bases partidárias, sindicais e comunitárias. Essa pressão, por sua vez, não existirá sem uma política mobilizante que saiba lançar-se aos conflitos – às greves, aos protestos, às disputas eleitorais – e aproveitá-las para desenvolver organizações partidárias, sindicais e comunitárias de base” (UNGER, 1990, p. 237).

b) Os textos do PMDB, do PT e do PDT insistem na importância de fortalecer e democratizar o núcleo estatal de acumulação e de orientar o curso básico dos investimentos. As instituições democratizadas do país precisam ter meios para influenciar o emprego do capital (…) [pois] a afirmação desses poderes decisórios sobre o fluxo de investimentos é essencial para que a estrutura econômica – o vínculo entre o padrão de crescimento econômico e a organização do poder e da produção – se subordine às maiorias militantes” (UNGER, 1990, p. 238).

c) Os pronunciamentos do PMDB, do PT e do PDT compartilham uma visão da democracia como um princípio que se enriquece à medida em que se aplica a áreas mais amplas da vida social. A começar pelo próprio sistema de produção, através da democratização dos processos decisórios dentro da empresa pública ou privada e do mutirão entre pequenos e médios proprietários. E, simultaneamente, na própria organização do Estado, as formas de representação e consulta popular precisam ser multiplicadas” (UNGER, 1990, p. 239).

A longa transcrição se justifica, primeiramente, porque revela a provável existência, naquela oportunidade, de clivagens programáticas incrustadas na sociedade e capazes de chegar, com maior ou menor clareza, aos programas partidários. E se justifica ainda mais porque a mera leitura dos trechos transcritos faz suspeitar que essas clivagens, depois de mais de trinta anos, permanecem em vigor. São, pois, programas reais, a distinguir linhas políticas arraigadas na vida vivida, mesmo que eventualmente não encontrem hoje expressão partidária consistente. Nessa linha de raciocínio, é razoável supor que uma das questões políticas centrais para Guerreiro Ramos se repõe, ou continua a repor-se repetidamente, em nossa história. Falta que os partidos se encontrem com seus programas, ou que os programas encontrem partidos que os atem à vida.

O reconhecimento da importância de partidos fortes e coesos se revela, com igual ou ainda maior nitidez, quando Mangabeira Unger a eles se refere de uma perspectiva mais ampla, independente da peculiar situação brasileira. O fato se constata imediatamente da mera leitura de sua obra. Quase sempre que nela surgem propostas referentes ao funcionamento das instituições de representação política, desponta junto a defesa de “regimes que fortaleçam os partidos políticos” (UNGER, 1999, p. 173) ou, diretamente, “o fortalecimento dos partidos políticos” (UNGER, 2004, p. 29). O que importa, pois, é encontrar o lugar do fato, e sua justificativa, dentro do conjunto de inovações institucionais que o autor propõe.

Resumindo em poucas palavras uma elaboração programática para lá de complexa, dir-se-ia que, no núcleo do projeto de experimentação institucional democrática proposto por Mangabeira Unger, encontra-se a ambição de desconcentrar poder e recursos com tal intensidade que a ninguém se feche o acesso às condições materiais e imateriais de viver e conviver em liberdade e a ninguém se abra a oportunidade de monopolizar poder e recursos de tamanha magnitude que lhe seja possível coartar a liberdade de outros. Curiosamente, por um par de razões, pelo menos, essa ambição desconcentradora exige o desenvolvimento de mecanismos institucionais – de raiz eminentemente democrática – voltados para a concentração de poder.

Primeiro, porque a implantação do projeto colide com as estruturas de poder e com as rotinas econômicas, sociais e políticas vigentes, cujo enfrentamento demanda a convergência de esforços e de imaginação. Depois, porque a desconcentração de poder e de recursos exige a presença de um centro com legitimidade e força suficientes para, de um lado, impedir que um ou mais grupos ou parcialidades reconstruam, a partir dos recursos obtidos, os monopólios privados já erradicados e para, de outro lado, resolver os impasses que possam surgir entre indivíduos ou grupos igualmente dotados de recursos e de legitimidade para sustentar suas próprias posições em questões com desdobramentos coletivos.

Ora, apesar das críticas que dirige à maneira como os procedimentos eleitorais e as agremiações partidárias se articularam historicamente com as rotinas sociais de preservação da “lógica estabelecida de interesses e identidades de grupo”, colocando em xeque eventuais disposições transformadoras individuais e coletivas, Mangabeira Unger, ao que tudo indica, não perdeu a confiança na potencialidade dos partidos políticos como instrumentos de formulação programática de grande alcance, com capacidade de levar para o centro das agências estatais os temas e propostas que possam redundar em alteração estrutural das correlações sociais de força e do formato das instituições que medeiam a convivência humana.

Mas essa não é, repita-se, a única possibilidade. A “lógica estabelecida” pode vencer. Quando os partidos políticos, para retomar a fórmula de Guerreiro Ramos, não conseguem exercitar a política ideológica, a “política se transforma em uma questão de negociação entre os interesses organizados – uma prática de harmonização em que cada interesse vale na medida de seu poder atual. Como não existem somente muitos interesses, mas também mais de uma medida de poder efetivo (…), qualquer acordo será muito difícil de acertar e, uma vez acertado, muito difícil de manter. O resultado é que a inovação institucional passará a ser considerada praticamente impossível. Mais uma vez, a crise aparecerá como o berço indispensável da invenção. Nesse cenário, a exigência parlamentar de um governo com amplo apoio político-partidário, que de outra forma poderia servir a experimentos decisivos, se transforma em um instrumento de lentidão política” (UNGER, 1999, p. 170).

A explícita retomada da aproximação entre as formulações de Guerreiro Ramos e as de Mangabeira Unger nos conduz a finalizar este artigo com duas comparações entre as perspectivas dos dois autores. Recorde-se, inicialmente, que Guerreiro Ramos apostava, mais que nada, na organização interna dos partidos políticos e na formação de quadros partidários para que o processo político nacional alcançasse um novo patamar de qualidade (a que não repugnaria chamar, em “livre tradução” para a linguagem mangabeiriana, de qualidade institucional). Já em Mangabeira Unger, a questão partidária normalmente aparece ligada a modificações nos procedimentos eleitorais. Talvez a diferença se deva, parcialmente, ao fato de ter Guerreiro Ramos, frente a si, instituições representativas de desenho bastante recente, cujas promessas ainda estavam por cumprir ou descumprir. Assinale-se, de qualquer maneira, que essa é possivelmente a área em que a prodigiosa imaginação institucional de Mangabeira Unger se mostra menos imaginativa. Talvez isso indique não haver mesmo alternativa ao trabalho cotidiano de construção e consolidação, por dentro, dos partidos políticos e de seus programas, ficando tudo o mais, nessa área, em segundo plano.

Recorde-se, em segundo lugar, a expectativa de Guerreiro Ramos de que se realizasse o “enquadramento dos contingentes eleitorais nos diversos partidos, de acordo com suas respectivas características sociais”. Ora, levada ao extremo, essa expectativa carrega alguns riscos. Pode parecer que as alianças entre partidos ao redor de projetos comuns decorrem diretamente de suas bases sociais, sem mediação política. O que, por seu turno, pode engessar a execução daquela que é, provavelmente, a principal tarefa partidária: a formulação de programas de intervenção política de grande envergadura e profundidade. Mangabeira Unger merece, pois, atenção redobrada quando insiste em que as “inovações institucionais não exigem alianças sociais preexistentes. Tudo o que demandam são agentes político-partidários e programas institucionais que tenham aquelas alianças de classe ou de grupos como um projeto – um projeto, e não uma premissa” (UNGER, 2004, p. 168).

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[1] O artigo reproduz, com poucas alterações, trabalho escrito para a disciplina Alternativas Institucionais Contemporâneas, ministrada, no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, pelo professor Carlos Sávio G. Teixeira e se beneficiou das vivas discussões ali realizadas.

[2] Guerreiro Ramos indica sucintamente o que entende por classe média: “o conjunto dos pequenos negociantes e industriais, profissionais liberais, funcionários, militares e assalariados que, por sua qualificação técnica e instrução, não podem ser confundidos com a massa obreira comum” (RAMOS, 1961, p. 24).

[3] “Os diversos agrupamentos sociais do País têm hoje suportes econômicos específicos. A explicação de sua nova mentalidade política deve ser buscada nesses suportes. (…) Não se formam agrupamentos ou classes sociais, distintos em sua psicologia, onde as atividades produtivas são pouco diferenciadas” (RAMOS, 1961, p. 60). Sirva a citação para reafirmar o postulado do autor: os processos políticos de média ou longa duração articulam-se com os desenvolvimentos sociais e econômicos que lhes sejam concomitantes ou subjacentes.

[4] Guerreiro Ramos teve, ademais, o mandato de deputado federal cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos pelo Ato do Comando Supremo da Revolução nº 4, de 14 de abril de 1964.

[5] Seria interessante, embora não caiba aqui, comparar as reflexões de Mangabeira Unger sobre a história da “domesticação do voto” na Europa com o segundo capítulo, intitulado Crítica da tentação demiúrgica, do livro já citado de Wanderley Guilherme dos Santos. Em alguma medida, o processo histórico que os autores veem desenrolar-se se assemelha, mas a avaliação que dele fazem diverge significativamente.

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Referências bibliográficas

RAMOS, Alberto Guerreiro. A crise do poder no Brasil (Problemas da revolução nacional brasileira). Rio de Janeiro: Zahar, 1961.

______. A redução sociológica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Regresso: máscaras institucionais do liberalismo oligárquico. Rio de Janeiro: OperaNostra, 1994.

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004.

______. Democracia realizada. A alternativa progressista. São Paulo: Boitempo, 1999.

______. A alternativa transformadora. Como democratizar o Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.

TEIXEIRA, Carlos Sávio G. (Org.). Encontros: Roberto Mangabeira Unger. Rio de Janeiro: Azougue, 2012.