Da instituição da cor, por Cesar Kiraly

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Cesar Kiraly é professor de Teoria Política da UFF.

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Resumo

A pictorialidade nos preocupa, porque ela parece esclarecer algo de bastante relevante sobre a experiência, de modo geral, e, sobretudo, no que concerne à experiência da política. Por certo, a política é muito mais do que a pictorialidade, mas o esforço de redução (a reductio dos nominalistas) parece ser muito relevante para a delimitação das províncias ontológicas da política.

Palavras-chave:

Instituição, Ontologia, Cor

Abstract

The pictorial concerns us, because it seems pretty clear something?relevant about the experience in general and, especially, regarding the experience of politics. Certainly, politics is much more than the pictorial, but the effort of reduction (the reductio of the nominalists) seems to be very relevant to the delimitation of the ontological provinces of politics.

Key words

Institution, Ontologie, Colour

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Mais malheureuse même, et même moribonde, une société ne peut se regarder sans rire. Comment supporter de se voir?[1]

A pictorialidade nos preocupa, porque ela parece esclarecer algo de bastante relevante sobre a experiência, de modo geral, e, sobretudo, no que concerne à experiência da política. Por certo, a política é muito mais do que a pictorialidade, mas o esforço de redução (a reductio dos nominalistas) parece ser muito relevante para a delimitação das províncias ontológicas da política. A ontologia da política, para a experiência da política, mostra-se sempre sem essência substantiva, o esforço de organicidade na política mais esconde as crueldades, definidoras dessa experiência, do que esclarece sobre esta sorte de fenômeno que desde Montaigne pertence à paleta filosófica do ceticismo, a falência orgânica de lidar com a crueldade nos leva à temática da imagem: da composição da imagem. Assim, uma das ontologias da política seria uma ontologia dos valores que se organizariam entorno da crueldade: no sentido de encobrir a crueldade pela religião, pela moralidade abstrata e pela guerra ou, por outro lado, na acepção da terapia cética, de desencobrir a política para exercer sobre ela esforços de moralidade.

Mas haveria uma outra ontologia, outra ontologia da política, uma ontologia particular do construtivismo político, e essa seria uma ontologia da cor. Porque a política lidaria com alguma especificidade com a experiência quando nela institui uma cor capaz de permanecer ou durar no tempo. Idéias desse tipo costumam pecar por anti-historicismo: mas parece ser possível optar por uma história não historicista, habilitadora da pictorialidade nas coisas, e dizer que a prática da abstração em política – esta homologia entre cores, crenças e enunciações – passou a fazer sentido com o quadrado de Malevich, numa mistura de quadro, na acepção wittgensteiniana, e tratado político, bem como, o autor de uma derradeira revolução, que é esclarecedora apenas de modo retrospectivo. De todos os lados as verdadeiras revoluções políticas são russas. Assim, nos fluxos migratórios da ontologia política não podemos objetar que a pictorialidade, bem como, o estudo da composição esclarece a regularidade dos fenômenos políticos de um modo vedado a outros regimes discursivos. De modo regularizado, tecnificado ou dotado de sentido é na pictorialidade da experiência que algo pode ser encontrado para devolver intensidade às crenças.

Em 1920 foi publicada uma grande coletânea de textos da antiguidade clássica sobre pintura, a coletânea, cuja introdução é escrita por Salomon Reinach, realizada por Adolphe Reinach, sob os auspícios da Associação de Estudos Gregos de Paris, na sua página 307, contou com uma interessante conjunção de elementos, juntar registros de filósofos pintores, e lembrar que Pirro e Platão, de modos distintos foram pintores, na advertência da página ímpar. A coletânea fornece em grego o fragmento XI, 61 de Diógenes Laércio e o traduz em francês na página da direita:

387. Pyrrhon d’Elis Était fils de Pleistarchos […] à en croire Apollodôros dans ses chroniques, il commença par être peintre. Antigonos de Karystos lui aussi, dans son traité sur Pyrrhon, dit de lui que, au début, il était inconnu, pauvre et peintre; on conserverait encore de lui à Élis au Gymnase des porte-flambeaux d’une assez bonne tenue[2].

Por isso, como evidência, existe uma forte identificação do ceticismo com o pictórico na experiência, então, uma das contribuições do ceticismo à política é explorar a composição pictórica das instituições. Esta composição chama a atenção para o fenômeno da Stiftung e ele se mostra como crença; e tal como Hume defendia no Tratado da Natureza Humana, a crença possui uma coloração específica, de uma intensidade particular. As crenças são instituídas no tempo e, sem metáfora, conhecer uma instituição é perceber o seu cromatismo. A virtude do cético, em contraposição ao dogmatismo, é uma forte paciência com o branco, com o silêncio, com a disponibilidade da experiência à instituição de cores no plano. Dessa forma, na pictorialidade da experiência, o cético, por seus operadores de suspensão e circunscrição, vê o cromatismo da instituição nos modos pelos quais o preto se inscreve sobre o branco, a enunciação rompe o silêncio e a crença preenche a disponibilidade com formas políticas. O ceticismo, pois bem, ao lidar com a instituição é uma filosofia do branco, do silêncio e da disponibilidade da experiência à imaginação, mas apenas porque tal paciência expõe, pela atividade de redução, os traços da instituição: como se sobre a experiência pudessem ser descritas algumas elementaridades de composição da política, algo como uma gramática cromática, tal como Hume descreve a experiência pela instituição e disponibilidade, respectivamente, da idéia e da impressão.

Adorno, por outro lado, na sua teoria estética, percebe, o que acaba por fornecer valor distinto aquele encontrado no construtivismo da pictorialidade política, pela via hegeliana, o que apontamos pela perspectiva humeana. Adorno diz que “[h]oje em dia, a arte radical significa arte sombria, negra como sua cor fundamental. Grande parte da produção contemporânea desqualifica-se por não atender nada a este fato, comprazendo-se infinitamente nas cores. O ideal do negro constitui, conteudalmente, um dos mais profundos impulsos da abstração[3]”. Por certo, esses elementos intensamente percebidos na arte também estão presentes na política. As instituições são inscrições pictóricas de significado no tempo. A regularização tola das instituições é homóloga ao uso infantil da cor. Os contornos elementares da crença são sombrios como indica Adorno. Mas dois são os modos de compreender a construção, e talvez esta fratura ontológica, da qual nos fala Adorno, os toque com intensidades diferentes, (1) a construção pelos motivos do significado, da criatividade da cor e dos valores e (2) a construção pelos exclusivos motivos da regularidade[4]. Mas Adorno atribui à investigação acerca da composição pictórica da experiência uma forma de mutismo. Não se trata de mutismo, contudo, mas de silêncio. As temporalidades do silêncio e do mutismo são completamente distintas. O mutismo, nesse caso, habita na redução da crença, da enunciação e da cor aos seus efeitos regulares, aqui, mutismo é a temporalidade da falta de expressão, cujos efeitos podem ser denominados de tecnificação da experiência[5]. E o silêncio habita numa forma de disponibilidade radical ao tempo da inscrição.

A natureza das coisas, dos objetos políticos, na pictorialidade da experiência, é vista e percebida nos elementos de composição daquilo que é instituído: um enunciado, uma cor e uma crença. Numa acepção um pouco mais hegeliana, diríamos que certo espectro do vocabulário moral do século XVIII criou uma linha de superações de modelos burocráticos das paixões que ocasionou a forte expectativa pela regularidade irreflexiva do mundo. Mas o vocabulário moral não é dissociado de pressupostos estéticos, ou de teorias de componente estético sobre a natureza humana, esta, talvez, seja uma forma de unir os esclarecimentos de Rousseau e de Hume. Assim, aquilo que pudemos denominar de minimalismo da natureza humana, contraposto a redução da crença à regra do miniaturismo, nas circunstâncias da tradição intelectual por Brahami denominada de antropologia cética, consiste numa crítica tanto à regularidade quanto à falta dela. Porque a ciência da política se vale da regra como um índice para a crença, para a cor e para a enunciação: e tal atitude intelectual de busca de índices na experiência combate as formas de opacidade acerca da natureza humana, no desvio ao heroísmo e no desvio ao pessimismo. Esta maneira cética de investigar a natureza humana não aceita formas de invisibilidade, mas tão somente regimes discursivos de descrição da composição dos objetos pictóricos. Dessa forma, pode-se dizer que a antropologia cética se firma enquanto regime discursivo norteado pela delicadeza da imaginação, ou seja, em última instância estamos diante de teorias da imagem.

Com efeito, miniaturistas e minimalistas são modalidades de imagens capazes de expressar concepções, submetidas ao hábito e a historicidade, de natureza humana. Mas não são imagens apresentadas como dramaturgia, tal como mostrou Wittgenstein no Tractatus. A relação entre a experiência e o espírito que institui pelas cores, enunciações e crenças não é uma relação de representação, mas de homologia, literalidade, portanto. Existe na distinção entre miniaturismo e minimalismo algo do Idealtypus, como também existe no estabelecimento dos argumentos freudo-humeanos ou na distinção entre instituições autênticas e falsificadas, mas sem ratificar a dramaturgia da distinção entre experiência e mente, ou seja, sem ratificar a onipotência do fetichismo do fato e sem ratificar a onipotência do pensamento, muito embora reconhecendo o papel desta para a filosofia política e pública. A separação entre imagem e realidade, ou o que poderíamos denominar de “pedir desculpas à realidade”, pode ter o seu lugar no final do século XIX, e isso concerne à imagem de século, principalmente num regime discursivo ainda hesitante como a sociologia. Afinal, falar de imagens não é tão grave quanto falar das coisas. Com efeito, o avalista do pensamento social sempre foi a idéia de finalidade, mas ao se suspender o juízo à finalidade ficamos como Hume: com uma imagem-pensamento definidora da experiência-mundo, ao que acrescentamos a idéia de pictorialidade. Sentenças semelhantes a pedidos de desculpas perdem um tanto de seus sentidos:

O tipo-ideal é um quadro de pensamento, não uma realidade histórica nem, sobretudo a realidade “autêntica”; ele serve ainda menos de esquema no qual se poderia ordenar a realidade como exemplar. Ele tem somente a significação de um conceito limite puramente ideal, pelo qual regulamos a realidade para esclarecer o conteúdo empírico de alguns de seus elementos importantes, e com o qual a comparamos. Esses conceitos são imagens nas quais construímos relações, utilizando a categoria de possibilidade objetiva, que nessa imaginação formada e orientada conforme a realidade julga como adequadas[6].

A polaridade entre imagem e experiência, isso que Wittgenstein compreende como teatro, acaba por produzir algumas confusões. A primeira é compreender a regra como uma finalidade e não como um índice, Weber pratica essa confusão e se atormenta com discussões sobre os limites da objetividade. Para evitar este drama mefistofélico, pode-se olhar para a regra para ver a crença. Seria muito adorniano dizer que Weber naufragou onde julgava triunfar (?), justamente na idéia de finalidade poderia distinguir a sociologia de outros regimes discursivos, sem sucesso? Quando, na verdade, é no formalismo de Simmel, ainda com muitos elementos psicologistas, é verdade, que se conseguiu empreender a distinção[7]. Por certo, a defesa da imagem não se dá apenas pela via cética, se resolvermos escutar Ricoeur, em sua fenomenologia, teremos que “afeto e movimento são a matéria da hylé da imagem[8]”.

A nossa questão é que uma prática de pensar pode ser discursivamente investigada como uma imagem do pensamento, orientada, no sistema de imagens, por certas concepções de natureza humana ou de homem. O estabelecimento de contornos pictóricos da imagem permite a oposição entre cores, bem como, entre princípios de construção de mundos. Nesse ponto não existe nenhuma concessão à dialética, porque as imagens, enquanto cristalizações de cores (da mesma forma como podemos dizer que a instituição é a cristalização da crença), recusam as essências. Contudo, sempre resta o espectro da dialektischen Bildes de Benjamin. Justamente porque consiste numa imagem dialética, que seria o modo do essencialista lidar com as aparências, sem submetê-las às essências, mas inseri-las numa teoria social da imagem, que seria uma forma de compreender a duração das enunciações, das crenças e das cores na pictorialidade da experiência[9].

Algumas associações podem ser feitas quando pensamos na Stiftung: com a idéia de obra de arte, por exemplo, ou, com a idéia de objeto etc. O fato é que a instituição remete à especialidade de alguns significados marcados no tempo. Por isso, julgamos conveniente abordar a instituição política sob os auspícios da pictorialidade dos objetos. Dessa forma, os objetos pictóricos retiram os seus pigmentos da pictorialidade da experiência. O remetimento à idéia de obra, por outro lado, concerne ao aspecto incontornável da temática do sujeito, supostamente, aquele que institui. Ao mesmo tempo em que a pictorialidade da experiência interrompe, como já apontaram Hume e Freud, a soberania dramatúrgica do sujeito sobre si mesmo, ela também exige uma forte apropriação do sujeito pela imaginação. Não é o sujeito que institui, tão somente, mas é o sujeito pertencente à experiência que participa dos processos de cristalização no tempo. O tempo da instituição, a permanência e a duração, não dependem de um sujeito percipiente, mas com certeza atravessam o sujeito no que se coagulam[10].

Por essa razão Merleau-Ponty diz que o processo de instituição é em parte inconsciente e em parte depende de certo uso ativo da imaginação, algo que Fernando Gil, influenciado por Freud, chamou de alucinação, e que Lessa chama de vocação da filosofia política. Toda essa dinâmica atende bem pelo nome de principium individuationis da experiência sobre o sujeito e do sujeito sobre a instituição. A instituição é uma espécie de marca da experiência sobre o sujeito e uma espécie de marca do sujeito sobre a experiência. Existe, pois, uma forte constatação da necessidade de uma filosofia do sujeito na percepção de que a experiência é constituída por marcas e que tem nelas instituições. A homologia entre os nomes e as instituições se torna cada vez mais explícita na instituição, porque “a primeira utilização dos nomes consiste em servirem de marcas[11]” e que tais marcas para se tornarem idéias gerais, como a idéia de homem, precisam ser instituídas, ou constantemente atualizadas em suas instituições, na medida em que o hábito é uma espécie de marca sobre a natureza humana[12].

Para tanto, algumas distinções foram propostas:

(1) uma estrita separação entre os vocabulários da transfiguração e da transformação, o primeiro concernindo ao modo de pensamento humeano por imagens, composição e pictorialidade e o segundo dizendo respeito a um pensamento por essências. Parece que a captura da transformação pela transfiguração é possível, talvez, inclusive, numa imagem dialética. Entre transformação e transfiguração pode ser possível relacionar a primeira com o pensamento soberano e a segunda com alguma outra forma de pensamento que talvez possamos chamar de estética. Cabe perguntar se as formas políticas da transformação e da soberania são esgotáveis ou não. Não temos a resposta.

(2) A distinção entre o crer e o acreditar parece ser esclarecedora dos vínculos estruturais da imaginação na vida social e na vida do sujeito, evidenciando que o acreditar é um efeito de superfície da crença. Existe na composição pictórica da experiência política vínculos lógicos para a formação de imagens, e o espaço de liberdade das enunciações é fornecido por esses limites. Agora, nada disso impede que o sujeito oponha o acreditar à crença. Uma boa parte do processo de mudança da vida política acontece quando não se acredita no que se crê.

A crença e o acreditar, distinguidos, são modalidades atomísticas e nominalistas de inteligibilidade da experiência política, mas o equívoco mora em se associar átomos e nomes a objetos de engrenagens e não a pigmentos. Não se quer com isso dizer que o pigmento seja uma boa metáfora, mas que a relação entre crenças, como consolidações de imagens sociais, e o acreditar, como oposição ou anuência, não se explicam pela metáfora das máquinas sociais, mas pelo estudo da composição das imagens. As crenças se relacionam como objetos pictóricos, ou seja, que são eloqüentes com seus pigmentos, que na consolidação de seus contornos, o que nos permite dizer que uma coisa não é uma outra, estabelece movimentos de engrenagem, mas esses não podem nunca esconder a composição: por isso, todo relacionamento entre objetos pictóricos não ocorre sem mistura de cores. Estas relações são muito mais evidentes quando pensamos nas relações figurativas entre objetos, bastando o acréscimo de um novo para mudar o sentido de todo um quadro social. Nesse sentido, o atomismo e o nominalismo são necessários para se compreender o modo pelo qual a experiência da política não esconde, ou não pode esconder, a sua natureza imagética e sua composição pictórica.

Muito se pode criticar a defesa de uma ciência da política como teoria dos objetos, de modo que os objetos se tornariam sinônimos de fatos, mas parece que alguma teoria dos objetos é necessária para evitar que toda a fala da autenticidade se torne um regime de opacidade. O recurso à história das representações parece ser salutar para retirarmos a naturalidade dos objetos, principalmente se podemos fazê-lo por longas durações históricas, ou por regimes discursivos, como queria Foucault[13]. Mas outra ontologia pode ser encontrada numa teoria da composição pictórica da experiência, e, com ela, da composição pictórica dos objetos, o que significa investigar, com atenção, o tema da homologia atual entre enunciações, crenças e contornos das imagens instituídas.

Por fim, deve-se desviar a composição pictórica da política de duas formas de relativismo: (1) do relativismo com relação a verdade e (2) do relativismo com relação a verdade e autenticidade das instituições.

(1) A verdade, contudo, é sempre verdade da experiência política. Isso significa dizer que toda verdade é verdade da enunciação e da cor. A primeira questão concernente a verdade não diz tanto respeito aos critérios de identificação da verdade, não se trata, ainda, de reconhecer a verdade da instituição, mas de admitir que uma enunciação pode dizer a verdade, tal como uma cor pode ser verdadeira ou uma crença. Ainda que não se possa remontar o sujeito que enuncia uma instituição, porque mesmo que exista uma forte conformação teórica nas instituições, elas são resultado da duração das cores no plano pictórico, não existe um porque para não se admitir que ela foi dita, mesmo que sem um sujeito. Não há porque se negar o caráter de instituição política ao quadrado negro sobre fundo branco, mas também sabemos que essa autoria é compartilhada com a experiência no plano de pictorialidade. Nesse sentido, toda vez que uma instituição é dita, ela pode ser dita como verdade, e apenas isso que queremos ver admitido[14].

(2) No que concerne ao relativismo sobre a verdade e a autenticidade das instituições, cabe comentar, na relação entre visibilidade e visualidade, do papel dos observáveis. Tema humeano por excelência o que é inobservável não se confunde com a pretensa idéia de elementos invisíveis do pensamento[15]. Aquilo que não pode ser visto compõe a visão. Com mais razão, não existe invisível em matéria de experiência política, existe a visualidade que ainda não pode ser observada, porque, o avanço na experiência de um mundo é, também, o aprofundamento na direção do observável, ou seja, da visibilidade. A inobservabilidade de uma visualidade possui conteúdo, nos sistemas de crenças, por isso pode ser integralmente feita em observação, o que não significa que tudo ver não nos acometa com a vertigem das perspectivas. Isso, por outro lado, não acontece com a intimidade, ela anima os enunciados, as cores e as crenças, e se define por ser a expressão da intensidade retirada da experiência. Observar, portanto, tem que ver com a delicadeza do gosto, ou seja, com o aprofundamento nos objetos pictóricos, em suas experiências. Dessa forma, pela vedação a admissibilidade do invisível, por uma teoria da imagem, que seja uma teoria da composição, os objetos pictóricos podem ser comparados sem relativismo. Ainda que não se veja a inautenticidade, ou a falsificação de um objeto pictórico, sive, de uma instituição, os elementos de distinção estão nos componente da imagem, seus pigmentos, e serão vistos, em algum momento. A verdade e a autenticidade da instituição estão para serem vistas. Esta é a única concessão que o cético faz ao otimismo.

Bibliografia

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[1] Paul Valéry, “Préface Aux Lettres Persanes,” in Variété I Et Ii(Paris: Gallimard, 1924). p. 181

[2] Adolphe Reinach, Textes Grecs Et Latins Relatifs a L’histoire De La Peinture Ancienne (Paris: Ares Publishers, 1921). “387. Pirro de Élis era filho era filho de Pleitarchos […] era crença de Apollodôros em suas crônicas, que ele começou por ser pintor. Antigonos de Karystos, também, no seu tratado sobre Pirro diz que ele, no começo, era desconhecido, pobre e pintor; conservou-se ainda dele em Élis, no Gymnase, porte-flabeaux de uma boa constituição”. p. 307 Ainda na mesma página: “390. (Platão, em sua juventude) não desdenhava da arte da pintura”. Como que explicando a virada dogmática de Platão no abandono da pintura. Como se a pintura fizesse muito pelo pensamento.

[3] Theodor W. Adorno, Teoria Estética (Lisboa: Edições 70, 2006). p. 53

[4] Adorno entende que Auschwitz-Birkenau efetuou uma fratura ontológica que fez a morte habitar na linguagem, todavia, o construtivismo acaba por ser percebido como a única via de decantação do espírito no tempo, mas é sempre uma via inexoravelmente movediça: algo como: enfrentar a fratura alarga os seus contornos, mas fazê-lo é deixar o espírito ser absorvido por ela.

[5] Adorno, Teoria Estética. p. 53 “A arte denuncia a excessiva pobreza por meio da que lhe é peculiar e voluntária; mas denuncia também a ascese e não pode, sem mais, erigi-la em sua norma. No empobrecimento dos meios, que o ideal do negro, se é que não toda a objetividade, consigo traz, empobrecimento também poetizado, o pintado, o composto; as artes mais progressistas impelem este empobrecimento até à beira do mutismo”.

[6] Max Weber, “L’objectivité De La Connaissance Dans Lês Sciences Et La Politiques Sociales,” in Essais Sur La Théorie De La Science, ed. Plon (Paris: 1965). p. 185 “Para a análise científica formadora de ‘tipos’ todos os nexos de sentido de comportamento irracionais ou condicionados afetivamente e que influenciam a ação são dados e investigados da formais mais visível como ‘desvios’ de um curso constituído”. ———, Economia E Sociedade (Brasília: UnB, 2005). Este elogio da visibilidade para confortar o peso da idéia de imagem deveria contemplar uma teoria da visualidade, ou seja, reflexões sobre a composição conceitual do olho e da visão, no mínimo para evitar o recurso à invisibilidade das finalidades. A concepção de crença em Weber poderia ser mais esclarecedora com esses elementos. 2: p. 2

[7] Theodor W. Adorno, Introdução À Sociologia (São Paulo: UNESP, 2008). p. 280 “Os tipos ideais […] de modo algum são categorias-chave teóricas, que determinam por si próprias ou através de suas interconexões algo que deveria se apresentar como uma teoria da sociedade coerente, mas constituem meramente instrumentos heurísticos, meios heurísticos com os quais o material histórico deve ser comparado”. Porque a concepção de imagem em Weber ainda é muito trivial, o que não significa que a jurisprudência da imagem não possa extrair da regularidade a sua força de significação. No caso de perseguir o miniaturismo onde ele estiver, pode-se extrair os contornos da redução da crença à regra.

[8] Paul Ricoeur, Philosophie De La Volonté (Paris: Points, 2009). p. 325

[9] Adorno, Introdução À Sociologia. p. 75-76 Introdução à Sociologia. Adorno. “Se por trás de trabalhos como os de Freud não existisse o interesse pela história da civilização como uma história da falência e da repressão, ou se por trás da concepção de Benjamin, não estivesse a teoria da imagem dialética como uma aparência socialmente necessária, então nunca viriam a se iluminar os fenômenos que levaram teorias a se desdobrarem”. ———, Teoria Estética. p. 35 “Nessa medida o moderno é um mito voltado contra si mesmo; a sua temporalidade tornou-se catástrofe do instante que rompe a continuidade temporal. O conceito de Benjamin de imagem dialética encerra este momento”.

[10] Theodor W. Adorno, “Arnold Schoenber, 1874-1951,” in Prims (Cambridge: MIT University Press, 1981). “A música de Schoenberg quer se emancipar em seus dois polos: ela libera as pulsões ameaçadoras, que outras músicas só deixam transparecer quando estes já foram filtrados e harmonicamente falsificados; e tensiona as energias espirituais ao extremo; ao princípio de um Eu que fosse forte o suficiente para não renegar a pulsão […] Embora sua música canalizasse todas as forças do Eu na objetivação de seus impulsos, ela permaneceu ao mesmo tempo, durante toda a vida de Schoenberg, algo estranho ao Eu”. p.147

[11] Thomas Hobbes, Leviatã (São Paulo: Abril Cultural, 1974). p. 25

[12] John Locke, Ensaio Sobre O Entendimento Humano (Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999). p.556-557

[13] Michel Foucault, Le Gouvernement De Soi Et Des Autres (Paris: Seuil, 2008). Não por acaso Foucault em um de seus últimos cursos, na aula de 5 de Janeiro de 1983, comenta que sempre procurou uma forma de ontologia, e que essa colocaria questões como: “[O] que é a atualidade? Qual o campo atual de nossas experiências? Qual o campo atual das experiências possíveis?” p.22 Para isso ele defende uma ontologia do presente, uma ontologia da atualidade, uma ontologia de nós-mesmos.

[14] Aqui, todavia, não se trata da questão de António Marques colocada em um de seus trabalhos sobre Wittgenstein, não estamos interessados no problema da dissimulação, mas na afirmativa da possibilidade da verdade nas instituições. Aceitamos que a assimetria entre a primeira e a terceira pessoa seja um dos indicativos da presença do sujeito, mas não é um indicativo da presença das instituições, pois essas, em largas dimensões, são operações sem sujeito, e nem da força de evidência de sua verdade. Por mais que a dissimulação tenha uma incrível relevância na oposição entre acreditar e crer, o que é fundamento da mudança política, a instituição se inscreve na intensidade do falar a verdade. Por certo, existe transitoriedade do conteúdo da verdade da instituição, mesmo de sua forma, afinal o abstrato é uma nova forma. Quando a verdade de uma instituição deixa de ser expressiva e discursiva para se tornar técnica, temos um forte indício da redução da crença aos seus efeitos regulares. António Marques, O Interior: Linguagem E Mente Em Wittgenstein (Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2003). p. 143

[15] João Paulo Monteiro, “A Teoria E O Inobservável,” in Hume E a Epistemologia (São Paulo: UNESP, 2009). p. 27-29